SNS PRECISA DE VALORIZAR PROFISSIONAIS
Reações. Depois de Constantino Sakellarides ter dito ao DN que tem sido feita uma sangria no Serviço Nacional de Saúde, fomos ouvir ex-ministros da pasta e representantes das várias classes. Uns concordam com a necessidade de inverter a saída de profissio
António Arnaut
EX-MINISTRO PS, ‘PAI’ DO SNS
O gradual esvaziamento do SNS através da sangria da sua grande riqueza que são os seus profissionais acontece porque eles são seduzidos a sair devido à falta de condições. Ainda estamos a tempo de travar esta sangria, que é um crime contra o Estado social. Além da remuneração condigna, são precisos estímulos de carácter moral como reconhecimento público do trabalho. Um médico que trabalhe uma série de anos deve ter um reconhecimento público do ministério. A outra grande reforma estrutural – que ando há muito a reclamar – é criar um regime de exclusividade no SNS, para evitar que os médicos estejam no serviço de manhã e depois vão para as clínicas privadas à tarde. Criar uma carreira equivalente à da função pública, em que o profissional podia optar por essa exclusividade com um salário condigno que poderia equivaler ao dos magistrados judiciais.
José Manuel Silva
BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS
A Ordem dos Médicos tem feito várias intervenções no sentido da defesa da meritocracia, que é algo nuclear no professor Sakellarides. Até chamamos à atenção para melhorar o curso de administradores hospitalares, que é insuficiente para a parte da gestão. Outro problema é que as nomeações na saúde são mais de carácter político do que de carácter meritocrático, e enquanto for assim vai ser pior. Já viu algum conselho de administração ser demitido por má gestão? Isso aconteceu porque todos são responsáveis por boa gestão? Não temos nem nomeações por mérito nem demissões por demérito. O problema do SNS não se resolvem só com uma reforma. É evidente que é preciso apostar na qualidade, no mérito e premiar os melhores, apostar na manutenção no SNS dos seus melhores profissionais.
Paulo Mendo
EX-MINISTRO (PSD)
O doutor Sakellarides tem toda a razão, mas falta-lhe uma coisa, quanto a mim essencial, que é mencionar o subfinanciamento da saúde. Sabemos que ela melhora em Portugal quando um governo aparece e paga as suas dívidas e aumenta o orçamento da saúde e depois piora quando volta a acumular défices brutais. Estamos com uma despesa per capita que é a mais pequena da Europa. É uma coisa que há muitos anos venho dizendo: o problema essencial é que enquanto os países como Portugal não considerarem que saúde, educação e segurança social são sagrados, não vamos a sítio nenhum. Isto para mim é fundamental. Era fundamental chamar as pessoas certas, mas a grande reforma está visto pelo que é a história do país que só melhora aumentando orçamentos. O imposto para a saúde tem de começar a ser conhecido, como é a contribuição para a Segurança Social.
Mário Jorge Neves
VICE-PRES. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS
Os diagnósticos estão feitos, as medidas é que não aparecem nesse sentido. Muitas das propostas não têm exequibilidade na saúde à revelia das regras da administração pública. Há dez meses que este governo está em funções e quase há tantos meses o ministro disse que ia apresentar uma proposta de incentivos. Não sei se há nas palavras do professor Sakellarides uma crítica ao atual ministério em que é consultor. Uma coisa tão simples como elaborar uma proposta de incentivos para fixar médicos nas zonas periféricas, como tem sido prometido pelo ministro, a verdade é que as propostas nunca apareceram. Tem que ver com a inexistência de uma política concreta de boa gestão de recursos humanos. Certo é que de facto estamos confrontados com mera publicidade e que propostas concretas apresentadas aos parceiros nunca apareceram.
Ana Jorge
MÉDICA, EX-MINISTRA (PS)
Nos últimos tempos tem havido uma sangria, por um lado, devido ao aumento muito grande do setor privado, que capta os recursos humanos do SNS que os formou e são profissionais que estão neste momento desmotivados e se sentem pouco compensados do ponto de vista financeiro. Ainda há dias falava com uma colega, chefe de serviço de um dos mais diferenciados na área a nível nacional e que faz prevenção e recebe nove euros à hora, o que não é compensador do ponto de vista financeiro. De facto, era importantíssimo que houvesse uma clarificação entre o setor público e o privado. Politicamente era muito complicado, mas era preciso esse reforço e essa clarificação. O SNS não pode competir com os privados em termos financeiros, mas também não tem havido reconhecimento dos profissionais. As administrações não têm sabido valorizar os seus profissionais.
Jorge Roque da Cunha
SG DO SINDICATO INDEPENDENTE DOS MÉDICOS
É graças aos sindicatos que existe uma carreira médica em Portugal e é através dela que se discrimina positivamente os desempenhos dos profissionais. Não tendo havido contratações, em que o próprio professor Sakellarides teve responsabilidade, não há progressão e é por isso que cerca de dois mil abandonaram o SNS nos últimos quatro anos, através de reforma antecipadas, e muitas centenas saem para o privado. E este governo por inação está a contribuir para que esta sangria continue. Sendo necessário essa reforma do Estado, ela não é essencial para a existência desses incentivos à produção e ao mérito. Até hoje, o ministro não fez chegar qualquer tipo de proposta, embora fale disso em entrevistas. Os sindicatos estão à espera, já que esta é uma discussão que já está gasta pelas palavras do ministro, que precisam de ser concretizadas.
Fernando Leal da Costa
EX-MINISTRO DA SAÚDE (PSD-CDS/PP)
O professor Constantino Sakellarides tem toda a razão no que disse. O que é lamentável é que o governo que ele apoia defenda o contrário. Para haver uma mudança era preciso um ministro com coragem e um governo que não estivesse enfeudado ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista. E o que temos é um ministro que está manietado pelos acordos que o primeiro-ministro fez e que o deixa com falta de meios financeiros e o veta a uma austeridade ainda maior do que durante a
troika. O governo nestes meses ainda não fez nenhuma reforma, tem determinado circunstâncias que apenas levam à acumulação de dívida e à incapacidade de financiar o SNS nas suas necessidades. Assiste-se a uma profunda demagogia, por exemplo, na forma como estão a ser preparadas novas unidades sem ter atenção às necessidades e apenas para criar a ideia de que se está a fazer alguma coisa.
Guadalupe Simões
SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES
Tem havido uma sangria no SNS e é verdade que nem todos os que dizem que defendem o SNS na realidade o defendem. É preciso de uma vez por todas clarificar o que se pretende do SNS porque continuar neste limbo não é possível. Todos dizem que as carreira profissionais são um dos sustentáculos do SNS, mas é preciso premiar o mérito. As unidades em que há complementaridade dos grupos profissionais e incentivos são elogiadas pelos utentes. Mas esse modelo não foi continuado e depois continuamos a pagar incentivos na recuperação de listas de espera quando era preciso ver como são geradas e responsabilizar quem as cria. As pessoas não são premiadas pelo desempenho e somos os licenciados da administração pública que menos recebem, enquanto isso acontecer vamos continuar a sair para o privado ou para o estrangeiro.