Impeachment de Dilma nasceu há um ano na cabeça de três advogados
Um ex-ministro, uma professora e um fundador do PT deram primeiro empurrão para a queda hoje iminente da presidente
JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo “Foi como um encontro de almas”, lembra Janaína Paschoal, 41 anos, a propósito da primeira conversa com Hélio Bicudo, de 94. “A seguir fomos ajudados pelo meu orientador de doutoramento na Universidade de São Paulo e semanas depois protocolávamos o texto na Câmara dos Deputados”, prossegue, referindo-se a Miguel Reale Junior, de 72. Janaína, Bicudo e Reale vão ficar na história do Brasil, para o bem ou para o mal, como os subscritores do pedido de impeachment que dentro de dias deve derrubar a presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT),eefetivarMichelTemer,do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), no Palácio do Planalto. Tudo começou no dia 1 de setembro de 2015. Ou talvez um pouco antes.
Nas manifestações contra o governo Dilma do início do ano passado, Janaína já era uma das vozes no meio da multidão da Avenida Paulista a defender, de facto, o impeachment. Naquela altura – quando o próprio Temer se referia ao tema como “uma ideia impensável e absurda” – nenhum colega na Ordem dos Advogados do Brasil ou na Universidade de São Paulo, onde leciona, aceitou redigir um pedido formal a seu lado. A advogada, que gere com duas irmãs um bem-sucedido escritório de São Paulo que não atende traficantes e violadores, só precisava de encontrar alguém que pensasse como ela.
E não muito longe da sede do escritório de Janaína, nos Jardins, bairro nobre paulistano, um nonagenário urdia no apartamento que partilha com a mulher, que sofre de Alzheimer, um rafeiro e as enfermeiras que se revezam no atendimento ao casal, um pedido formal de impeachment contra Dilma. Hélio Bicudo, fundador do PT, candidato ao lado de Lula da Silva a vice-governador de São Paulo, em 1982, mas em rutura com o partido e o ex-presidente desde o escândalo do mensalão em 2005, não pensava, aliás, em mais nada. Daí o encontro de almas com a também obstinada Janaína quando foram apresentados por amigos em comum.
Até então sem coragem para liderar um pedido de impeachment por conta própria, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), maior força da oposição a Dilma naquele tempo, sentiu no improvável duo o cavalo de Troia capaz de levar o partido ao poder sem ser necessário esperar pelas eleições de 2018. Deputados e senadores tucanos passaram a tratar o dissidente do PT como se de um Sakharov ou um Soljenitsin se tratasse. A casa do velho advogado, antes pacata, tornou-se um ponto de encontro, com o telefone e a campainha sempre a tocarem.
Ligado sentimentalmente ao PSDB, íntimo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem foi ministro da Justiça, e filho de Miguel Reale, pai do novo Código Civil Brasileiro, Miguel Reale Junior, que já vinha escrevendo artigos pró-impeachment há meses nas páginas do conservador O Estado de S. Paulo, juntou-se em meados de agosto do ano passado a Bicudo e à sua ex-aluna Janaína.
No dia 1 de setembro de 2015, Bicudo franzia o sobrolho por trás dos óculos, surpreendido com o avanço de luzes e flashes dos repórteres de imagem que invadiram a
Génese do
ainda é texto de Reale, Janaína e Bicudo
sua casa para assinalar o “dia 0” do mais sólido dos pedidos de impeachment de Dilma protocolados até àquela data. Ao seu lado direito, Reale Junior; ao seu lado esquerdo, Maria Lúcia Bicudo, uma das duas filhas que apoiam a empreitada. Os outros cinco filhos são contra. “Desde que a minha mãe, que o moderava, ficou incapacitada, sobrou apenas o lado beligerante dele, ele é vaidoso e movido pelo ódio que ganhou ao Lula”, escreveu em carta aos jornais o filho José Eduardo Bicudo.
Em Brasília, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, arqui-inimigo de Dilma e companheiro de partido de Temer no PMDB, garantia que não via ainda razões para tirar o pedido de Bicudo, Janaína e Reale da gaveta. Ainda. No momento certo, ou seja, quando o PT lhe puxou o tapete na comissão que avaliava a perda do seu mandato parlamentar, Cunha deu andamento ao processo como resposta.
Dilma e PT foram perdendo cada batalha até chegarmos ao ponto em que a guerra já é dada por perdida. Temer, pelas mãos do hoje também moribundo Cunha, foi alçado à presidência. Com o apoio do PSDB, de F.H.C., de Aécio Neves e do ministro dos Negócios Estrangeiros José Serra. Os protagonistas mudaram dos escritórios de advocacia para a arena política mas a génese do impeachment continua a ser o texto de Janaína, Bicudo e Reale. “Ficar na história? Não é importante para mim, a história pertence aos homens e o meu compromisso é com Deus”, afirma a advogada.