Como o Estado Islâmico prepara as “crias do califado”
Polícia iraquiana tirou cinto de explosivos a rapaz de 12 ou 13 anos que se preparava para realizar um ataque suicida em Kirkuk
Nas zonas sob o seu controlo na Síria e no Iraque, o Estado Islâmico tem as suas próprias escolas, onde os alunos estudam em livros que pretendem educar a próxima geração de jihadistas. Um estudo do Washington Institute for Near East Policy, realizado por Jacob Olidort, mostra como os manuais juntam o estudo do Alcorão com problemas matemáticos ilustrados com espingardas. Os alunos têm ainda preparação física em campos de treino ao estilo militar destinados às “crias do califado”.
O grupo islamita, que já chocara o mundo com os vídeos em que mostra crianças a executar pessoas, terá ontem voltado a recorrer a uma criança para tentar um ataque suicida. Em Kirkuk, cidade no Norte do Iraque ocupada pelos curdos desde 2014, um rapaz de 12 ou 13 anos foi detido pela polícia, que lhe tirou o cinto de explosivos na rua antes de detonar o engenho de forma controlada. Nas imagens divulgadas nos media, o rapaz parece começar a chorar quando é apanhado pelas forças de segurança. Não se sabia ainda ontem se teria agido de livre vontade, após uma lavagem cerebral, ou se fora forçado pelos militantes do Estado Islâmico. No sábado à noite, o presidente turco Recep Erdogan também avançara que o ataque contra um casamento curdo na cidade de Gazantiep foi realizado por um bombista-suicida que teria entre 12 e 14 anos. A explosão, no meio das pessoas que celebravam na rua, fez mais de 50 mortos, na sua maioria menores de idade. Ontem, o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, veio explicar que as autoridades não têm a certeza de que tenha sido uma criança a fazer o ataque.
A verdade é que as crianças que estudam nas escolas do grupo jihadista são confrontadas com uma visão muito própria do mundo. Os manuais usados ensinam a distinguir os infiéis e admitem que matar pode ser necessário por questões religiosas. Quanto à geografia, explica também Olidort no seu estudo divulgado pelo Business Insider, os alunos do Estado Islâmico aprendem que existe um califado islâmico que se estende no Médio Oriente, mas que os jihadistas sonham ver chegar a Portugal e a Espanha – esse Al-Andalus de que já falava a Al-Qaeda e que surge como objetivo em vários vídeos do EI – até 2020. Crianças-soldados Frequentemente usadas nas guerras africanas – onde eram muitas vezes drogadas e forçadas a usar armas –, as crianças-soldados ganharam um papel diferente no terrorismo islâmico. Também em África, o Boko Haram usa com frequência menores nos seus ataques suicidas. Segundo a UNICEF, de 2014 para 2015 o número de crianças envolvidas nos ataques suicidas do grupo na Nigéria, Camarões, Chade e Níger passou de quatro para 44. E 75% são raparigas, como a de apenas 10 anos que em janeiro de 2015 matou 19 pessoas quando se fez explodir num mercado.
No Afeganistão, os talibãs também já usaram menores nos seus ataques, como o rapaz de 12 anos que se entregou às autoridades em março antes de se fazer explodir na província de Nangarhar. O rapaz disse aos polícias que o mandaram “matar tropas infiéis”, mas que se arrependeu quando viu os soldados entrar para rezar numa mesquita.
O Estado Islâmico tem também seguido a tendência. Antes destes últimos ataques na Turquia e no Iraque, o grupo que ganhou projeção mediática a nível mundial no verão de 2014 com os vídeos de reféns a serem decapitados já recorrera a bombistas suicidas menores na Sírias. Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma organização sediada em Londres, desde o início deste ano, o Estado Islâmico usou 18 crianças em atentados suicidas, vários deles no âmbito da sua luta contra as milícias curdas no Nordeste da Síria.