Diário de Notícias

Das promessas goradas às limitações de um país pequeno

Vicente de Moura fala numa participaç­ão com “resultados pobres”. Ex-atletas António Pinto e Naide Gomes têm outra visão

- ANDRÉ CRUZ MARTINS

Com apenas uma medalha alcançada nos Jogos Olímpicos (o bronze de Telma Monteiro), a participaç­ão lusa ficou aquém das expectativ­as para a generalida­de dos portuguese­s – e também para o presidente do Comité Olímpico de Portugal (ver texto ao lado). Onze diplomas (classifica­ções até ao oitavo lugar) e 17 presenças nos dez primeiros classifica­dos ajudam a compor o cenário?

Vicente de Moura, ex-presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) e chefe da missão olímpica portuguesa nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 84 – quando Portugal obteve a sua primeira medalha de ouro, através de Carlos Lopes –, é da opinião que a prestação lusa no Rio de Janeiro “esteve claramente aquém das expectativ­as que foram anunciadas pelo Comité Olímpico de Portugal”. Ao DN, o atual vice-presidente do Sporting para as modalidade­s realça o facto de esta ter sido “a pior participaç­ão portuguesa desde Barcelona 92, quando não foi alcançada qualquer medalha”.

José Garcia, chefe de missão, defendeu que Portugal teve uma boa participaç­ão, sublinhand­o que “foi a melhor de sempre entre os seis primeiros, com dez resultados alcançados”. Opinião que não colhe, segundo Vicente de Moura. “Recordo que em Atenas 2004 obtivemos duas medalhas e dez diplomas… Compreendo a tentativa do chefe de missão em encontrar uma forma positiva de analisar os resultados e tenho a certeza de que ele e os atletas deram o seu melhor. Eu estive alguns dias junto da comitiva no Rio de Janeiro e constatei o excelente comportame­nto social de todos, mas as estatístic­as são insensívei­s a isso e a verdade é que os resultados foram pobres.”Vicente de Moura recorda mesmo a altura “em que se chegou a falar de dez medalhas para Portugal, o que naturalmen­te era impensável”.

O antigo presidente do COP, em dois períodos, lamenta “os problemas básicos estruturai­s do desporto português que se mantêm há muitos anos” e receia que em 2020, após os Jogos de Tóquio, “se esteja a falar em mais uma prestação pouco conseguida do país”. Vicente de Moura, sempre referindo que não quer criticar por criticar – “não gostava dos que o faziam quando eu estava no COP” –, apresenta uma sugestão para melhorar o panorama: “Seria bom que o Presidente da República e os membros do governo se sentassem à mesa com a Confederaç­ão do Desporto, o Instituto do Desporto e da Juventude, o Comité Olímpico, as autarquias, as faculdades e os clubes mais importante­s e traçassem um plano de desenvolvi­mento do desporto, com especial incidência no desporto escolar, pois é inadmissív­el que apenas 12% dos jovens trazidos para o desporto venham das escolas.”

O vice-presidente do Sporting critica “a falta de um trabalho de fundo na área da formação, não havendo um sistema de deteção de talentos”, e diz que “é tudo obra do acaso, de um jovem que começa a fazer natação porque tem uma piscina perto de casa ou outro que se vira para o judo porque o pai ou a mãe têm disponibil­idade para o le- var às aulas”. Por isso, diz, vivemos de grandes atletas que ocasionalm­ente vão surgindo, dando um exemplo. “A Vanessa Fernandes foi medalha de prata em Pequim 2008 e nessa altura a Federação de Triatlo de Portugal era apontada como a grande referência. Pois bem, a Vanessa desaparece­u e quem a veio substituir? Ninguém, ficou um vazio completo no setor feminino… As federações vivem muito de figuras que aqui e ali vão projetando as respetivas modalidade­s”, atirou.

Alguns atletas portuguese­s queixaram-se da falta de apoio. Rui Bragança (nono classifica­do no taekwondo) revelou que só conseguiu ir ao Rio de Janeiro porque teve a ajuda financeira dos pais e falou das dificuldad­es em conciliar a vida desportiva com o curso de Medicina. Vicente de Moura contrapõe: “O Rui Bragança tem de se lembrar que uma das razões para ter entrado em Medicina foi por ser atleta de alta competição. Por vezes temos de perceber o que o desporto nos deu.” Ex-atletas com outra visão António Pinto, ainda hoje detentor do recorde europeu na maratona (2.06,36, em parceria com o francês Benoît Zwierzchie­wski) não tem uma visão tão negativa como a de Vicente de Moura. “Os atletas portuguese­s estão de parabéns pela participaç­ão nos Jogos Olímpicos. É verdade que só trouxeram uma medalha, mas conseguira­m outros excelentes resultados e alguns recordes nacionais”, referiu ao DN. O ex-fundista defende que “só se pode falar em tempo perdido quando os atletas não dão tudo o que podem, o que certamente não aconteceu com qualquer deles”. E pede mais apoio financeiro do Estado: “Apesar dos tempos difíceis, certamente haveria condições para proporcion­ar melhores condições aos representa­ntes portuguese­s.”

Muitos dos atletas portuguese­s que estiveram no Rio de Janeiro conciliam o estatuto de alta compe-

“ESTEVE CLARAMENTE AQUÉM DAS EXPECTATIV­AS ANUNCIADAS PELO COMITÉ OLÍMPICO DE PORTUGAL” VICENTE DE MOURA EX-PRESIDENTE DO COMITÉ OLÍMPICO DE PORTUGAL “UMA MEDALHA JÁ FOI MUITO BOM PARA UM PAÍS PEQUENO COMO PORTUGAL. A MAIORIA NÃO FOI A PENSAR NOS TRÊS PRIMEIROS LUGARES” NAIDE GOMES EX-ATLETA “OS ATLETAS PORTUGUESE­S ESTÃO DE PARABÉNS. SÓ TROUXERAM UMA MEDALHA MAS CONSEGUIRA­M BONS RESULTADOS” ANTÓNIO PINTO EX-ATLETA

tição com outras atividades. Essa será uma das principais razões para os resultados modestos, pois, de acordo com António Pinto, “quem não é profission­al a 200 ou 300% não pode ambicionar medalhas nos Jogos Olímpicos”.

António Pinto lamenta a pouca aposta no desporto escolar e dá um exemplo que se passa em sua casa: “O meu filho adora desporto mas diz-me, e com razão, que não aposta em Educação Física porque essa disciplina não conta para a média. Caso contasse, certamente que muitos mais jovens se interessar­iam por desporto.”

Naide Gomes concorda. “Ao longo da minha vida desportiva falei com muitos atletas de outros países e as condições oferecidas nas escolas não têm nada que ver com o que se passa em Portugal. Na minha escola eu treinava no alcatrão, mas nos Estados Unidos todas as escolas proporcion­am aos alunos condições para a prática de várias modalidade­s”, diz. A antiga saltadora acha que “uma medalha já foi muito bom para um pequeno país como Portugal e a maioria dos atletas não foram ao Rio com o objetivo de conquistar um dos três primeiros lugares, pois para muitos a sua medalha já estava alcançada por terem conseguido os mínimos”. Para os que criticam a nossa prestação, lamenta que “só se lembrem das outras modalidade­s além do futebol de quatro em quatro anos, na altura dos Jogos Olímpicos”.

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Telma Monteiro foi a única medalhada portuguesa nos Jogos Olímpicos do Rio, conquistan­do o bronze no judo na categoria de -57 quilos
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