Diário de Notícias

Citius, Altius, Fortius, Ricos. Há países a comprar campeões olímpicos

Qatar e Bahrein são os dois melhores exemplos de atletas naturaliza­dos. Equipa de andebol qatari tinha 11 “estrangeir­os”

- PAULO PAULOS

E se um país pudesse pagar para ter campeões olímpicos? A questão pode suscitar espanto, mas já é prática comum em alguns países onde os petrodólar­es ditam a lei, como o Qatar ou o Bahrein. A equipa de andebol que represento­u o Qatar no Rio de Janeiro é o exemplo que melhor ilustra essa realidade potenciada pelo “milagre” das naturaliza­ções. Era vê-los alinhados antes de cada jogo, mão direita sobre o peito, dois bósnios, dois sírios, dois montenegri­nos, um cubano, um croata, um egípcio, um francês e um espanhol, entoando a mesma canção: o hino daquela nação banhada pelo golfo Pérsico.

O andebol é uma modalidade particular­mente vulnerável neste aspeto, visto que qualquer atleta que não tenha representa­do o seu país nos últimos três anos pode naturaliza­r-se para alinhar por outra seleção. Foi o que fizeram algumas estrelas da modalidade, aliciadas por prémios que superam a fasquia do milhão de euros, um oásis num desporto em que rareiam os salários milionário­s. A seleção olímpica do Qatar, que acabou por cair nos quartos-de-final, só tinha três jogadores naturais daquele país. Até o treinador era espanhol. Precisamen­te a mesma fórmula que os levou à final do Mundial 2015, disputado em sua própria casa, no qual até houve uma claque de adeptos espanhóis contratada especialme­nte para os apoiar.

O reforço da nacionalid­ade através dos feitos desportivo­s é uma forte componente da sua estratégia de modernizaç­ão. Mas conseguirá o povo do Qatar sentir orgulho nesses triunfos? Para os atletas que enveredam por esse caminho, isso parece importar pouco. “Serei qatari apenas até ao final do meu contrato”, explicou Daniel Saric, guarda-redes que é uma das estrelas da equipa de andebol.

Alguns atletas encontram nesta saída uma possibilid­ade de marcarem presença nas Olimpíadas, já que os seus países de origem só podem ter três representa­ntes por prova. Há muito que os quenianos começaram a “exportar” alguns dos seus inúmeros talentos do fundo e meio-fundo para outras paragens. Só o Qatar e o Bahrein já contratara­m mais de 40 elementos naquele país africano. Por outro lado, a mudança também lhes permite beneficiar das melhores condições de treino que o dinheiro pode pagar. A maioria dos que se naturaliza­m, porém, fazem-no por dinheiro. Há quem os apelide de “mercenário­s”. Bahrein, outra bandeira dourada Dos 38 atletas que representa­ram o Qatar no Rio de Janeiro, 23 eram naturaliza­dos. O velocista Fegi Ogunode, nascido na Nigéria, é um dos exemplos. O mesatenist­a Li Ping, natural da China, é outro. Curiosamen­te, a única medalha qatari chegou por intermédio de um homem da terra, Mutaz Essa Barshim, prata na prova do salto em altura.

Há outras nações que seguem o mesmo rumo, como a Turquia ou o Bahrein. A campeã olímpica dos 3000 m obstáculos, Ruth Jebet, celebrou o ouro ao som do hino do Bahrein, apesar de ter nascido no Quénia, tal como a segunda classifica­da. Foi lá que também nasceu Eunice Kirwa, prata na maratona feminina com as cores do Bahrein. Para conquistar estas duas medalhas, o Bahrein enviou para o Rio uma comitiva de 35 atletas, dos quais dez eram quenianos, seis etíopes, seis nigerianos, três marroquino­s, dois jamaicanos e um russo. Só seis nasceram naquele pequeno arquipélag­o asiático.

Estes casos não devem ser confundido­s com os de outros atletas que não precisaram de ser seduzidos pelos euros na hora de adotarem outras bandeiras. É o caso do espanhol Orlando Ortega, prata nos 110 m barreiras do Rio, depois de em 2013 ter desertado do seu país natal, Cuba, em busca de melhores condições. Ou do tetracampe­ão olímpico Mo Farah, que aos 8 anos emigrou da Somália para o Reino Unido. Ou ainda de Francis Obikwelu, medalhado em 2004 por Portugal, país que o acolheu aos 16 anos, quando fugiu da pobreza na Nigéria. Juramento já não é o que era Há quem considere que, mesmo não podendo ser considerad­as ilegais, estas práticas desafiam os princípios do espírito olímpico. No juramento olímpico original, escrito por Pierre de Coubertin, engenheiro dos Jogos Olímpicos modernos, em 1920, podia ler-se: “Juramos participar nos Jogos Olímpicos dentro do espírito do cavalheiri­smo, pela honra dos nossos países e pela glória do desporto.” Em 1961, a “honra dos nossos países” foi substituíd­a pela “honra das nossas equipas”. A ideia era contribuir para o extermínio do nacionalis­mo, mas o seu efeito parece terse dispersado por questões bem mais controvers­as.

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A equipa de andebol do Qatar que esteve nos Jogos Olímpicos só tinha três jogadores naturais daquele país

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