Diário de Notícias

O último trimestre

- SÍLVIA DE OLIVEIRA Diretora do Dinheiro Vivo

No primeiro dia verdadeira­mente tórrido que apanho nestas duas semanas em Ferreira do Alentejo, fecho os olhos e cerro os punhos, talvez pelo bafo irrespiráv­el, e pressinto um último trimestre de 2016 como todos os últimos trimestres de todos os anos em todas as casas, todas as empresas, nos organismos do Estado, no país inteiro. A um terço do fim, olha-se para o que foi feito nos outros dois e, melhor ou pior, é possível antecipar como será praticamen­te até ao dia 31 de dezembro. Salvo qualquer facto inesperado, como uma conta para pagar – a última prestação do IMI está mais do que agendada –, ou o resgate de um banco, neste momento, já é possível saber, mais coisa, menos coisa, se sobrará algum euro do amputado subsídio de Natal, ou se as receitas fiscais chegarão para os mínimos.

Só que, neste balanço de férias de verão – esqueçam a passagem de ano –, o fim está para tudo menos para surpresas. Das boas, entenda-se. Cheira, daqui de Ferreira do Alentejo. A economia cresce pouquíssim­o, o investimen­to não arranca, as exportaçõe­s desacelera­ram e, mesmo no que diz respeito ao consumo, a incerteza não permite grandes alaridos. Ou seja, pouco se pode esperar dos fundamenta­is económicos. O Banco de Portugal, por exemplo, é mais pessimista em relação ao cresciment­o da economia. A isto junta-se uma desconfian­ça generaliza­da das instituiçõ­es, nacionais e internacio­nais, sobre as políticas do governo de António Costa. O défice previsto para o final do ano – 2,5% do PIB – muito dificilmen­te será atingido sem a imposição de novas medidas de austeridad­e, garantem economista­s e analistas. A companhia de rating DBRS, a única agência que mantém Portugal acima de lixo, revelou as suas preocupaçõ­es e fez tremer os mercados ao admitir que o fraco cresciment­o português está a colocar pressão sobre a notação de rating portuguesa. A DBRS vai rever a sua avaliação em outubro e a manutenção do rating acima do nível de investment grading é indispensá­vel para que Portugal continue a beneficiar do programa de compra de ativos do BCE. A Fitch, a Standard & Poor’s e a Moody’s já têm Portugal abaixo do nível de investimen­to. As pressões aumentaram e surgem de várias frentes, não só da Comissão Europeia, que mesmo depois de ter cancelado a coima sobre Portugal, continua a aguardar novas medidas para corrigir a trajetória do défice.

A poucos meses do fim do ano, começa a corrida atrás do prejuízo. Para todos. Se fosse só isso... Quantos projetos acumulados ao longo do ano despachou, sem saber muito bem como, entre outubro e novembro? O problema, neste caso, é que de pouco servirão as corridas, enquanto Portugal se mantiver em stand by, num país económico onde os agentes económicos preferem, à cautela, continuar à espera para decidir mais tarde.

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