A descoberta de uma nova raça no país de todas as cores
ANA RITA GUERRA que sucede haver uma raça de americanos “a sério” com ADN estrangeiro?
Este é um dos fundamentos da profunda divisão política e social que aflige este país, the land of the free. De um lado, os que acreditam numa visão da América que defende a liberdade de expressão, o sonho de começar do nada e vencer na vida, num multiculturalismo que torna as interações diárias ricas e diversas. Um país que assenta nos imigrantes. Do outro lado, os que querem proteger uma grandeza que acreditam ter sido desmantelada pelos “outros”. Make America great again baseia-se nessa crença de que este país foi grandioso um dia e agora caiu na desgraça. Um dia, quando? Nos anos de segregação racial, quando os negros não podiam usar as mesmas casas de banho que os brancos? Quando as mulheres não podiam abrir conta bancária?
Esta nostalgia por um passado difuso esbarra com a realidade. Nunca houve tanta liberdade e diversidade na América. Sim, o fosso económico entre ricos e pobres está cada vez maior, mas, em termos de liberdades sociais, esta é a época dourada – uma em que homossexuais não são presos, em que o aborto é legal, em que o divórcio não exige prova de culpabilidade e existem leis para proteger de discriminação os grupos minoritários.
Querer regressar ao passado é um desejo sobretudo de quem beneficiou do racismo, machismo e outras injustiças de má memória. Portugal, que também tem problemas sociais relacionados com questões históricas de racismo, é comparativamente mais homogéneo. Foi por isso que quando li comentários de apoio às declarações polémicas de Clint Eastwood, que acha que o politicamente correto estragou a América e que quem se queixa de racismo é um bebé chorão, fiquei atónita. Que ironia. Olhei para as fotos de perfil: todos “brancos”. Esses portugueses que gostam de Trump e da sua retórica seriam insultados num dos seus eventos. Aqui, caros compatriotas, vocês não seriam brancos. Seriam castanhos. Essa tez que vos escuda do racismo indesculpável no Sul da Europa seria olhada de lado pelos “verdadeiros” americanos.