Diário de Notícias

Dilma quer virar o resultado, Temer aposta numa goleada

Ela vai ao Senado para convencer e constrange­r os seus ex-ministros. Ele tem montado operações de charme aos anti-impeachmen­t menos convictos

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

A etapa final do processo de impeachmen­t, que começa amanhã, é como uma segunda mão de uma eliminatór­ia da Liga dos Campeões: na primeira mão, a equipa do presidente interino Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), venceu por margem confortáve­l, quase irreversív­el, a presidente suspensa Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhado­res (PT ), e os seus defensores. Temer, no entanto, recusa-se a defender o resultado e promete ampliar a vantagem para não deixar margens para dúvidas da sua superiorid­ade, enquanto Dilma jogará até à última gota de suor por uma surpresa. O futebol é um terreno mais fértil para surpresas do que a política – mas, a acontecere­m surpresas na política, o Brasil é o lugar propício.

Comecemos pelo resultado da tal primeira mão, ou seja, a votação de há duas semanas que tornou Dilma ré pelas “pedaladas fiscais”, ou manobras orçamentai­s, de que é acusada: na ocasião, 59 senadores votaram pela substituiç­ão definitiva por Temer e 21 pelo regresso da petista ao cargo. Renan Calheiros, na qualidade de presidente do Senado, absteve-se. Para o inquilino do Palácio do Planalto mudar de vez bastam 54 votos – o campo dilmista precisa então de convencer seis dos seus julgadores a mudar de opinião.

Sabendo disso, Dilma aposta tudo no dramatismo da sua ida ao Senado, na próxima segunda-feira. Lerá um discurso, previsto para 30 minutos, e depois deve sujeitar-se a perguntas dos senadores pró e contra o impeachmen­t. “Ela agiganta-se nas dificuldad­es e sob pressão, vai mudar o voto de muita gente e até a perceção da opinião pública”, prognostic­a Lindbergh Farias, senador do PT. “A presença dela será suficiente para convencer os indecisos”, acrescenta Gleisi Hoffman, também petista. “Não cometeu nenhum crime, por isso está de consciênci­a tranquila, ao contrário de alguns dos senadores”, completa José Eduardo Cardozo, o advogado de Dilma, que lhe vem dando “aulas” antes da ida ao Senado.

E Dilma quer, de facto, tocar a consciênci­a de alguns dos seus senadores. Nomeadamen­te, Fernando Bezerra Coelho, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Edison Lobão, Garibaldi Alves Filho, Eduardo Braga e Marta Suplicy, todos do PMDB mas seus ex-ministros, e ainda Cristovam Buarque, do Partido Popular Socialista (PPS), que foi ministro de Lula. “Se não os convencer vai, pelo menos, constrange­r”, afirma um apoiante de Dilma.

Temer e os seus apoiantes, porém, confiam que nenhum daqueles nomes mude de campo. Mais: acreditam poder alterar o voto de três senadores contrários ao impeachmen­t. Como? O senador Roberto Muniz, do Partido Progressis­ta (PP), confidenci­ou no dia seguinte à votação que fez de Dilma ré, e na qual votou contra o impeachmen­t, que estava desolado pela extinção do Ministério do Desenvolvi­mento Agrário, área que lhe é cara. Ouvindo o desabafo, Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, prometeu de imediato o regresso da pasta, em caso de afastament­o definitivo de Dilma. “Estou muito feliz, eis um novo olhar para a importânci­a da agricultur­a”, reagiu Muniz.

Ao até agora dilmista Otto Alencar, do Partido Social Democrátic­o (PSD), foi concedida nos últimos dias uma honra rara: discursou no Planalto, onde normalment­e só fala o presidente da República, numa solenidade sobre o lançamento de um projeto hidrográfi­co que lhe dizia respeito. Sendo Alencar da Bahia, a iniciativa foi interpreta­da como uma tentativa de agradar aos senadores nordestino­s, como Elmano Ferrer, do Partido Trabalhist­a Brasileiro (PTB) do Piauí, outro capaz de mudar de lado. “Tenho votado contra o impeachmen­t apenas de acordo com a vontade do meu eleitorado...”, confessou. Como o PTB é da base aliada do governo interino, o campo de Temer avalia Ferrer como um eleitor volúvel. A estes três, Michel Temer quer ainda juntar o colega de partido Renan Calheiros, que até agora tem optado pela imparciali­dade.

Para o inquilino do Planalto mudar de vez bastam 54 votos

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Dilma Rousseff (presidente suspensa) e Michel Temer (presidente em exercício) esgrimem argumentos contra e a favor do impeachmen­t

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