À procura da comédia perdida
Refrigerantes e Canções de Amor é mais uma proposta a meio caminho entre a caricatura social e um certo apelo romântico
No cinema português persiste uma ferida nostálgica que se exprime através de uma miragem que uns definem como “artística”, outros tratam como “comercial”. A saber: seria preciso reencontrar a magia das comédias mais célebres dos anos 30/40 para redescobrir uma lendária pureza original. Podemos discutir a pertinência de tal nostalgia (alguns desses filmes são francamente rudimentares) e até as suas ilusões históricas (encontramos, nesse domínio, vários aparatosos insucessos de bilheteira). Seja como for, poderá dizer-se que Refrigerantes e Canções de Amor (estreia amanhã), realizado por Luís Galvão Teles a partir de um argumento de Nuno Markl, nasce dessa nostalgia.
Apesar de tudo, há uma diferença em relação à recente trilogia formada por O Pátio das Cantigas, O Leão da Estrela e A Canção de Lisboa (autoproclamada de “novos clássicos”). Aí, colavam-se lugares-comuns do mais rotinado humor televisivo, dispensando mesmo a construção de qualquer relação pertinente com as lógicas narrativas dos originais. Agora, em Refrigerantes e Canções de Amor, procura-se um tom burlesco que integre a caricatura social e um assumido anacronismo romântico.
Fica-se com a sensação de que os resultados correspondem menos a um projeto coerente e mais a uma colagem de “números” que não foram sujeitos a um verdadeiro labor de unificação narrativa. O retrato do protagonista Lucas (Ivo Canelas), autor de músicas para anúncios de refrigerantes, vai mesmo oscilando entre uma simples coleção de anedotas e um saltitar entre “géneros” (comédia, melodrama, farsa mais ou menos surreal...) que começa por tornar inglórios os esforços de alguns atores, acabando por comprometer a consistência final do projeto.
Parece haver uma tentativa de compensar tudo isso através da integração de algumas personalidades do domínio musical que, ironicamente ou não, estão mais próximas do estatuto de “estrela” que qualquer dos atores do elenco. Também aí, as inadequações prevalecem: Jorge Palma representase a si próprio em registo “onírico” cuja pertinência narrativa fica por esclarecer; Sérgio Godinho não chega a ter personagem minimamente definida; enfim, o brevíssimo aparecimento de David Carreira não chega sequer para ser autoparódico.
Provavelmente, na origem, Refrigerantes e Canções de Amor visava o cruzamento de duas grandes matrizes clássicas da comédia: por um lado, o contundente retrato social em que, mesmo os sinais mais ligeiros, nos remetem para uma conjuntura de vida em que nos reconhecemos; por outro lado, um delírio enraizado nas componentes realistas desse retrato, mas abrindo para domínios mais ou menos feéricos ou absurdos. Infelizmente, a fragilidade dos resultados deixa a sensação de que faltou tempo ou imaginação para atingir tais patamares criativos.