Marques Mendes exige escrever o folhetim
FICÇÃO POLÍTICA. Depois da minicrise de Catarina, o atual mais famoso comentador televisivo social-democrata decidiu também fazer ficção: “Eles em público exibem divergências, mas mesmo essas divergências são combinadas em privado...”
CComo já foi dito, no primeiro episódio, quando começava agosto, esta página era uma mentira pegada porque a realidade esclarece-se melhor com ficção. Nos noticiários reais, sérios, aqueles que os jornais divulgam e nas televisões aparecem os citados a comentar, nunca aconteceria uma líder de partido, é um supor, ser ingénua. Uma coisa do tipo um jornalista perguntar-lhe: “Está arrependida?” E ela: “Todos os dias...” Pois, pois... Madalenas arrependidas é mais para a Bíblia, onde também se dá demasiada liberdade à verdade, como aqui, no folhetim. No dia-a-dia e nos factos, as coisas passavam-se com maior sisudez e consequente bocejo. Já agora, se fôssemos por aí, com imaginação louca, ainda aparecia um Luís Marques Mendes, ex-líder, político sempre ativo e escutado comentador televisivo, a dizer na SIC Notícias que Catarina Martins tinha mesmo dito que estava arrependida de apoiar o governo. E, no minuto seguinte, ele próprio ser capaz de pôr água na fervura: “Eles em público exibem divergências, mas mesmo essas divergências são combinadas em privado...” Claro, nenhum leitor, na vida real, acreditaria que tais personagens – a Catarina, o Luís e o eles – se comportassem desse modo. Já para o folhetim deu uma ideia do caraças! Eles a combinar em privado... Hummm, vamos então por esse cenário aliciante. Catarina para o António Costa: “Olhe, amanhã vou-me fazer amuada numa entrevista, mas não ligue.” E o Costa: “Boa ideia, Catarina! Mas deixe-me dar uma palavrinha ao Jerónimo, não vá ele acreditar.” E a Catarina, amuada (dessa sem combinação): “Lá está você a meter o Jerónimo, ele tem de vir sempre a reboque...” O primeiro-ministro passava a mão pelo pelo à líder do BE, desligava e prevenia o líder do PCP. E Jerónimo de Sousa, depois de ouvir, respondia: “Mais vale um que bem mande do que dois que bem façam.” E Costa, espantado: “Perdão?...” E Jerónimo: “Albarde-se o burro à vontade do dono.” E o Costa: “Se bem entendo, o Jerónimo também vai amuar?” E o Jerónimo: “Isso.” Quer dizer, o primeiro-ministro foi o primeiro a saber que o PCP iria mostrar-se azedo sobre as ilusões do governo e a exigir a Costa que tinha de optar entre o apoio comunista e a UE. Tudo combinado em privado, como tão bem pressentiu Marques Mendes. Ora, este visionário de coisas privadas e gentil revelador delas também se fartara de combinar e em privado. Não, não se vai ao ponto, aqui, de insinuar extravagâncias, apesar de bem plausíveis, pois ouviu-se Marques Mendes a decretar naquela noite, na SIC: “A coligação está de pedra e cal.” Está de quê?! Esquisita fórmula... A tal “de pedra e cal”, expressão tão popular, fez mais do que um telespectador ficar a magicar quem lhe lembrava essa maneira de falar... Antigamente o jovem secretário de Estado da Comunicação Social Marques Mendes telefonava para a direção da RTP para dizer qual o alinhamentos do telejornal... Então, ficaram alguns desconfiados a pensar, por que não haveria ele de aceitar, anos mais tarde, sugestões do líder comunista, especialista do falar popular? Afinal, eram frases que lhe aumentavam o share, isto é, o interesse do povo... Mas o folhetim recusava-se a ir por aí; imaginação, sim, mas não tanta. O que aqui se inventava, “eles a combinar em privado”, era mais brando, portanto mais português. “Luís? É o Luís...”, dizia ao telemóvel Montenegro, o líder parlamentar do PSD, ao atual social-democrata mais comunicador: “Leste o Público? Aquilo da Catarina arrependida pode trazer uma crise...” E Marques Mendes: “Pois é, o jornal exagerou no título mas ela devia ter tido mais cuidado.” Montenegro: “Em todo o caso, uma crise agora não nos dava jeito nenhum...” Marques Mendes: “Safa, nem pensar!” Luís Montenegro, prático: “Tens de acabar com as divergências deles.” O comentador: “É o que vou fazer, dizer que a coligação está de pedra e cal.” O outro riu-se: “Até pareces o Jerónimo de Sousa...” Marques Mendes concordou: “Dá audiência falar como o povo.” (Entre parênteses, por aqui se vê que a realidade do diálogo não se importava de ir por caminhos exagerados que o folhetim se interditava seguir). Adiante, porque Marques Mendes disse ao outro: “Vou acabar a dizer que Bloco e PCP vão aprovar tudo porque não querem uma crise, não querem o PSD no governo.” Essa solução não foi do agrado de Montenegro: “Isso dá força ao Passos, parece que ele ainda pode ganhar eleições...” Mas Luís Marques Mendes sossegou-o: “Ele já não ganha coisa nenhuma, estão todos fartos dele.” E rematou com os dedos persuasivos que o outro, mesmo ao telemóvel, adivinhou: “Mas, enquanto não vai embora, Passos não pode saber que as nossas divergências com ele são discutidas entre nós em privado.”
E Marques Mendes rematou com os dedos persuasivos: “Mas, enquanto não vai embora, Passos não pode saber que as nossas divergências com ele são discutidas entre nós em privado”