“HÁ VOZES SOB OS ESCOMBROS. AMATRICE JÁ NÃO EXISTE”
Presidente da Câmara descreve horror depois de a terra tremer com violência no centro do país. Há muitas vítimas sob as ruínas da cidade
Pelo menos 120 mortos, 368 feridos, dezenas de desaparecidos e milhares de desalojados, edifícios em ruínas, vilas e aldeias arrasadas e, agora, uma corrida contra o tempo para resgatar os que estão soterrados. Debaixo dos escombros ouve-se as vozes dos que não puderam fugir.
Este é o balanço trágico, e ainda provisório, do violento sismo que ontem de madrugada abalou o centro de Itália, na zona da Perugia, quando a maioria das pessoas estava a dormir nas suas casas. Muitas morreram, outras ficaram soterradas vivas. Como descrevia ontem o presidente da câmara de Amatrice, uma das localidades mais afetadas, “há vozes sob os escombros”.
do primeiro abalo destruidor, que atingiu os 6,2 graus na escala de Richter e teve o epicentro ali mesmo, na região, a quatro quilómetros de profundidade, já houve mais de uma centena de réplicas, a maioria com magnitude superior a três graus na escala de Richter. A terra continua a tremer e isso pode prolongar-se por vários dias.
Aldeias e vilas arrasadas O sismo foi sentido durante cerca de 15 segundos na capital, Roma, que dista mais de 140 quilómetros da região, e também em cidades mais distantes, como Bolonha, a norte, e Nápoles, a sul, cada uma delas a mais de 220 quilómetros do local do epicentro.
A operação de socorro está em marcha e a prioridade, como sublinhou o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, é resgatar os sobreviventes dos escombros. Renzi, que ontem se deslocou à região, afirmou que “nenhuma família, nenhuma cidade e nenhuma aldeia ficarão sozinhas”.
O governo já anunciou uma verba de 235 milhões de euros para fundos de emergência face à situação. Entretanto, o Vaticano enviou para o local um destacamento do seu corpo de bombeiros para participar nas operações de resgate e vários países, como a Alemanha, a França ou a Rússia também já ofereceram ajuda.
Nas zonas mais atingidas, como Amatrice, Accumoli, ou Arquata del Tronto, fala-se de “destruição”, de “muitos mortos” e de “uma situação dramática”. Dos 120 mortos confirmados até à hora de fecho desta edição, mais de 50 eram residentes de Amatrice e Accumoli, localidades que ficaram praticamente devastadas, como mostram as imagens aéreas.
“Três quartos da cidade já não existem”, afirmou o presidente da câmara de Amatrice, Sergio Pirozzi. “Agora temos de salvar o maior número possível de vidas. Há vozes sob os escombros, temos de salvar aquelas pessoas”, disse o autarca, citado pela Reuters.
Áquila foi há sete anos Este é o sismo mais forte a atingir Itália desde o terramoto que em 2009 devastou a cidade de Áquila, na mesma região, apenas um pouDepois
co mais a sul, causando na altura mais de 300 mortos. Esse sismo de 2009, que atingiu 6,3 graus na escala de Richter, seguiu-se a uma crise sísmica de magnitude menor e deu até origem a uma condenação em tribunal, de seis anos de prisão, para seis especialistas italianos em sismologia e geologia, que chamados a avaliar o risco de um sismo maior não puderam, obviamente, prevê-lo – a ciência atual não tem ainda capacidade para isso. A condenação pelo tribunal italiano causou um escândalo na comunidade científica mundial e após uma batalha legal que durou até 2014, os seis cientistas ganharam o recurso e foram ilibados.
Seja como for, estes fenómenos não são casos isolados. Pelo contrário, o centro de Itália é uma das regiões sismicamente mais ativas da Europa, com registo de terramotos históricos muito destruidores.
Aconteceu, por exemplo, em 1915, quando um sismo de magnitude 6,7 na escala de Richter, com epicentro a cerca de 60 quilómetros a sul do local onde se deu o de ontem, causou cerca de 32 mil mortos. Mais recentemente, em 1997, um tremor de terra de grau 6, dessa vez um pouco mais a norte, causou 11 mortos e destruiu mais de 80 mil habitações. E depois foi Áquila, em 2009.
A explicação para toda esta instabilidade – que está igualmente associada a muitos sismos de baixa magnitude que não chegam sequer a ser sentidos –é a de que aquela região de Itália, ao longo do maciço dos montes Apeninos, assenta numa das zonas de confluência das placas tectónicas africana e euro-asiática, que não estão imóveis: elas movem-se uma contra a outra a um ritmo médio de três milímetros por ano. Esse forçamento lento provoca um aumento de tensão na crosta terrestre que depois, de vez em quando, é libertada desta forma violenta.
Os tremores de terra naquela região estão em geral associados ao processo de subducção entre as duas placas (uma mergulha sob a outra), o que não invalida que, por vezes, haja choque entre essas mesmas placas, o que causa também tremores de terra, que podem ser fortes.
Por isso, especialistas italianos alertaram ontem, de novo, para a necessidade de reforçar a construção antissísmica naquela região. “Um sismo desta magnitude é expectável, em média, a cada 15 anos, o que deveria encorajar uma cultura maior de prevenção sísmica e de proteção civil”, sublinhou Fabio Tortoric, diretor científico no Instituto Geológico de Itália.