A política dos arrependimentos
PAULA SÁ
Devo pessoalmente um pedido de desculpas ao país por estar a fazer aquilo que disse que não gostaria de fazer e que não achava que devesse ser feito.” Pedro Passos Coelho foi duramente criticado por ter dito isto em maio de 2010, horas depois do então primeiro-ministro José Sócrates aprovar um pacote de medidas duras, para as quais tinha tido o apoio do líder do PSD. Arrasado pela esquerda, que o acusou de ser hipócrita, e pelos comentadores, que viram nas desculpas um sinal de fraqueza indesculpável na política.
Um ano e tal depois, a liderar um novo governo, com o resgate às costas, Passos fez cortes em ordenados e subsídios e deu lastro ao seu ministro das Finanças, Vítor Gaspar, para fazer um “enorme aumento de impostos”. Sempre se recusou a pedir desculpas. Ainda hoje não faz qualquer ato de contrição porque, diz ele, fez o que tinha de ser feito para tirar o país de uma situação crítica. Agora não evidenciar remorsos é um selo de seriedade.
Estas duas versões de Passos mostram como os arrependimentos em política são muito relativos, passam rápido e dependem das circunstâncias.
Vem isto a propósito dos arrependimentos diários da líder do Bloco de Esquerda. Catarina Martins não parece nada pesarosa no apoio ao governo de António Costa desde que o BE saia com os louros das medidas positivas e passe nos intervalos da chuva das negativas que possam vir por aí nos próximos Orçamentos do Estado, a começar já pelo do próximo ano.
É por isso que Catarina relembra as “dificuldades de um trabalho de maioria com partidos com divergências conhecidas”, no caso o PS e o PCP. E é também por isso que deixa transparecer, numa cândida confissão, muito pouco adequada à política profissional, ter “medo” de falhar. Medo, como a própria disse, de não conseguir ir mais além no compromisso de tirar o país do empobrecimento.
Os arrependimentos de Catarina – e não um arrependimento fundador da “geringonça” – são, como o primeiro pedido de desculpas de Passos Coelho em 2010, uma maneira de fazer passar a mensagem de que se alguma coisa está a correr mal no governo socialista, do qual o BE é um dos suportes parlamentares, o seu partido lava a mãos da trapalhada.
E não é que agosto, mês escolhido pela líder bloquista para manifestar os seus sentimentos em relação ao acordo governativo, foi mesmo mauzinho para o executivo socialista. A polémica das viagens pagas pela Galp, misturadas com a barafunda da Caixa Geral de Depósitos e até com a vaga de incêndios, a que se somam os últimos dados económicos, era normal que tivessem efeitos mais nefastos na coligação. Mas afinal foram só arrependimentos vários, não é tão mau como seria de esperar.