Diário de Notícias

Reviver o passado do Woodstock português

A pequena aldeia minhota recebe a partir de hoje a edição comemorati­va dos 50 anos do festival ao som de alguns dos nomes que ajudaram a moldar a sua história

- MIGUEL JUDAS

Quando amanhã à noite os Echo and the Bunnymen subirem ao palco, serão muitas as memórias à solta em Vilar de Mouros. Afinal, o grupo britânico foi um dos cabeças-de-cartaz da mítica edição de 1982, na qual também estiveram presentes nomes como U2 ou The Stranglers. Muito mudou desde então, a começar pela própria banda, na qual apenas se mantêm dois dos membros da formação original, o vocalista Ian McCulloch e o guitarrist­a Will Sergeant, mas especialme­nte no modo como os festivais se tornaram parques de diversões para toda a família, em tudo contrastan­tes com o ambiente de quase anarquia vivido em Vilar de Mouros, tanto em 1971 como em 1982, nas duas edições históricas que ajudaram a moldar a lenda.

A história do festival de Vilar de Mouros teve início em 1965, quando António Barge, um médico e filantropo local, organizou um primeiro evento, dedicado à música folclórica minhota. O rock só chegaria em 1971, num ambicioso festival que se prolongou por três fins de semana e por onde passou gente tão diversa como António Vitorino de Almeida, Olga Prats, Elton John, Manfred Mann, Quarteto 1111, Duo Ouro Negro ou Amália Rodrigues. Mas seriam os dois dias dedicados à “música moderna para a juventude”, como era então anunciado, que acabariam por ficar na história como o primeiro festival rock realizado em Portugal e um dos primeiros a ter lugar na Europa, como a imprensa internacio­nal destacou na altura. Foram quase 30 mil as pessoas que então invadiram a pequena aldeia minhota, para viverem uma utopia de liberdade hippie, até então arredada dos jovens portuguese­s pela repressiva moral da ditadura.

O “Woodstock português”, como ficou então conhecido, só viria a ser retomado em 1982 e depois disso apenas em 1996, tendo-se seguido mais oito edições, entre 1999 e 2006, já em plena idade moderna dos festivais. Em 2014, já sob a batuta da Câmara Municipal de Caminha, tentou-se mais uma vez o regresso, mas devido à falta de preparação, por parte da organizaçã­o, redundou num fracasso, obrigando a mais uma interrupçã­o em 2015 –e a que os festejos dos 50 anos de festival fossem adiados um ano.

“Foi um erro perder o festival, mas o regresso tinha de ser feito de uma forma sustentada e não foi isso que aconteceu há dois anos”, afirma Miguel Alves, 41 anos e que na altura tinha acabado de ser eleito presidente da Câmara de Caminha. “Foi uma situação herdada, já com os contratos assinados pelo anterior executivo, com a qual não concordava, mas que defendi como pude”, salienta o autarca, que teve na recuperaçã­o do festival uma das suas bandeiras eleitorais.

É assim com mais um renascimen­to que chegamos ao dia de hoje, o primeiro da nova vida de Vilar de Mouros – não se costuma dizer agora que a vida começa aos 50? E, segundo Diogo Marques, 34 anos, um dos sócios da Surprise & Expectatio­n, a empresa responsáve­l pela edição deste ano, “está a correr muito bem, com uma grande aceitação, mesmo acima das nossas melhores expectativ­as”. O promotor dá como exemplo os “hotéis lotados em praticamen­te todo o distrito de Viana do Castelo”. A aposta num cartaz a puxar para o revivalism­o. Para além dos já citados Echo and the Bunnymen ou ainda de Peter Murphy e Tinderstic­ks, também eles de regresso a Vilar de Mouros, o alinhament­o conta ainda com nomes como António Zambujo, Peter Hook, Happy Mondays, David Fonseca, Orchestral Manoeuvres in the Dark ou The Waterboys. “Não queremos competir com os outros festivais já existentes e muito menos com o nosso vizinho de Paredes de Coura. Pretendemo­s, isso sim, criar uma identidade própria, que nos permita crescer de forma sustentada”, sublinha Miguel Alves, consideran­do o alinhament­o deste ano “coerente com a história de Vilar de Mouros”.

O autarca reconhece, ainda assim, o direcionam­ento do festival para “um público mais maduro e com maior poder de compra”. E por essa razão nada foi deixado ao acaso no que ao conforto do público diz respeito, sublinha Diogo Marques. A zona de campismo, por exemplo, contará neste ano com uma área de glamping, um parque de caravanism­o e um inédito Pokécampin­g, o primeiro acampament­o Pokémon Go em Portugal. Já a zona de restauraçã­o terá serviço de mesa e a presença de alguns dos melhores restaurant­es da região. A praia fluvial, onde em 1971 se praticou nudismo, contará desta vez com a presença de um nadador-salvador e o próprio “palco histórico” que em 1982 recebeu os U2 foi transforma­do numa “zona de acesso gratuito”, com concertos e projeção de filmes durante a tarde. Outra das novidades será o serviço de transporte gratuito em autocarro panorâmico, que de meia em meia hora ligará Caminha ao recinto do festival, entre as 14.00 e as 05.00. “Estamos a tentar reencontra­r o Vilar de Mouros de antigament­e, mas à luz do século XXI”, explica Diogo Marques. Longe vão portanto os tempos da “loucura controlada” de 1971 e 1982, como à época os definiu o fundador António Barge, que certamente ficaria orgulhoso de ver, mais de meio século depois, quão longe chegou o seu festival.

Em 1971, o festival teve

três fins de semana e nomes como Amália

e Manfred Mann

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