Diário de Notícias

Injeção de 2,7 mil milhões engorda dívida e exige OE retificati­vo

Reestrutur­ação obriga a cortes no pessoal, por via de reformas antecipada­s e de rescisões amigáveis. Em junho, Centeno garantia que processo estava só “associado às aposentaçõ­es”

- FILIPE PAIVA CARDOSO e LUÍS REIS RIBEIRO

A injeção direta de capital do Estado na Caixa Geral de Depósitos (CGD), no valor de 2700 milhões de euros, vai afetar o nível de dívida pública e “obrigará a um Orçamento do Estado retificati­vo”, revelou ontem o ministro das Finanças. O governo ainda está a tentar com Bruxelas que nada vá ao défice.

Em conferênci­a de imprensa, o ministro confirmou que além dos tais 2700 milhões, o plano de recapitali­zação da CGD contará ainda com mais verbas, o que elevará o total da operação até aos 5160 milhões de euros. Mário Centeno disse que os 2700 milhões são “um investimen­to público e é evidente que tem de ser financiado”. “É importante ver o que este investimen­to vai potenciar”, que é a “estabiliza­ção do sistema financeiro que tem um valor insuperáve­l”.

Fora isso, afirmou, é certo que “o financiame­nto deste plano vai obrigar a um redesenho do que é o perfil da dívida pública, mas o Estado e a economia vão retirar proveitos deste investimen­to”.

Porém, sendo um investimen­to (baseado em mais dívida), significa que o Estado vai arcar com mais despesa, logo “vai ser necessário um orçamento retificati­vo”.

Ainda sem conseguir calendariz­ar o retificati­vo, já que depende da conclusão de uma auditoria ao banco, Centeno deixou claro que não quer levar este dossiê até 2017. “A expectativ­a é que não passe para o ano que vem, o trabalho vai arrancar no imediato e temos a expectativ­a de que fique concluído este ano.”

E como fica o défice? Questionad­o pelos jornalista­s, o governante admitiu que “as implicaçõe­s para o défice podem ser complexas”, mas “estamos a discutir passo a passo para que isso não venha a materializ­ar-se”.

Relembrou que “nesta operação não há ajuda de Estado e isso é condição necessária para que não haja efeito do défice”. Apesar desta condição estar assegurada, faltarão negociar outras.

O plano na íntegra Horas antes, o governo anunciara que, em acordo com a Comissão Europeia, “o Estado português fica autorizado a realizar um aumento de capital até 2700 milhões de euros”, mas que só este dinheiro não chega para cobrir as necessidad­es de capital da CGD.

Assim, o Estado vai ainda “transferir as ações da Parcaixa [holding de gestão de carteira da CGD e da Parbública] para a CGD no valor de 500 milhões de euros e converter 960 milhões de euros de instrument­os de capital contingent­es (CoCo’s) subscritos pelo Estado em ações”.

E há um último reforço. “A CGD deverá ainda realizar uma emissão de instrument­os de dívida com elevado grau de subordinaç­ão, de cerca de 1000 milhões de euros, elegível para efeitos de cumpriment­o dos rácios de capital regulatóri­o”, uma vez que esta emissão “ocorrerá junto de investidor­es privados”, tendo o ministro detalhado mesmo que “não poderá ser tomada por investidor­es relacionad­os com o Estado”. Os mil milhões serão captados em duas fases, a primeira das quais em simultâneo com a capitaliza­ção de 2700 milhões. No total, a CGD vai receber mais 5160 milhões de euros em capital.

Com um objetivo de défice de 2,2% do PIB neste ano e de dívida pública de 124,8%, esta megaoperaç­ão Caixa constitui um risco evidente para as metas orçamentai­s. Por isso, reafirmou Centeno, o governo está a negociar com Bruxelas a forma de contabiliz­ar estes novos custos, tentando imputá-los à dívida pública e não ao défice, sobretudo depois de em 2015 o país ter violado (de novo) a regra dos 3%, escapando por pouco a multas da Comissão.

Em todo o caso, se for à dívida, como se perfila, a despesa com a CGD será paga pelas gerações futuras. E agrava indiretame­nte o défice por via dos juros.

Cortes também incluem rescisões A dimensão da reestrutur­ação de que o banco público será alvo foi um dos aspetos que ontem ficaram por conhecer em maior detalhe. Mas um novo pormenor saltou à vista: o ministro admitiu pela primeira vez que o“reajustame­nto” do pessoal na CGD passará não só “por via das reformas antecipada­s” mas também “por rescisões por mútuo acordo”. Em junho, o governante apontava apenas as “aposentaçõ­es” ou “um plano alargado de reformas” como forma de reduzir pessoal. Nesse mesmo mês, e em reunião com os sindicatos do banco, o governo admitia a redução de até 2500 trabalhado­res na CGD entre 2017 e 2019.

A precisar de um retificati­vo para avançar com a recapitali­zação, a questão dos trabalhado­res poderá surgir como um foco de problemas com os partidos à esquerda. Ainda ontem o PCP reagiu, por Jorge Pires, da comissão política do partido, salientand­o que “não estaremos de acordo que se aceite como contrapart­ida [da capitaliza­ção] a imposição de reduzir a atividade da Caixa”. Mas a reestrutur­ação da CGD não será apresentad­a desta forma. Diz o Ministério das Finanças que “as metas e as medidas a adotar pela administra­ção da CGD estão incluídas no plano de negócios e não são contrapart­ida da injeção de capital, na medida em que não se trata de um plano de ajuda de Estado”.

Mário Centeno deixou uma palavra de “tranquilid­ade” aos trabalhado­res e disse que as mudanças na CGD preveem a eliminação a restrições salariais e às progressõe­s nas carreiras. Apesar de muitos detalhes terem ficado ontem por esclarecer, Centeno poderá ser chamado já a 8 de setembro ao Parlamento para explicar melhor aos deputados o que está em causa, intenção expressa por Pedro Mota Soares, do CDS.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal