Injeção de 2,7 mil milhões engorda dívida e exige OE retificativo
Reestruturação obriga a cortes no pessoal, por via de reformas antecipadas e de rescisões amigáveis. Em junho, Centeno garantia que processo estava só “associado às aposentações”
A injeção direta de capital do Estado na Caixa Geral de Depósitos (CGD), no valor de 2700 milhões de euros, vai afetar o nível de dívida pública e “obrigará a um Orçamento do Estado retificativo”, revelou ontem o ministro das Finanças. O governo ainda está a tentar com Bruxelas que nada vá ao défice.
Em conferência de imprensa, o ministro confirmou que além dos tais 2700 milhões, o plano de recapitalização da CGD contará ainda com mais verbas, o que elevará o total da operação até aos 5160 milhões de euros. Mário Centeno disse que os 2700 milhões são “um investimento público e é evidente que tem de ser financiado”. “É importante ver o que este investimento vai potenciar”, que é a “estabilização do sistema financeiro que tem um valor insuperável”.
Fora isso, afirmou, é certo que “o financiamento deste plano vai obrigar a um redesenho do que é o perfil da dívida pública, mas o Estado e a economia vão retirar proveitos deste investimento”.
Porém, sendo um investimento (baseado em mais dívida), significa que o Estado vai arcar com mais despesa, logo “vai ser necessário um orçamento retificativo”.
Ainda sem conseguir calendarizar o retificativo, já que depende da conclusão de uma auditoria ao banco, Centeno deixou claro que não quer levar este dossiê até 2017. “A expectativa é que não passe para o ano que vem, o trabalho vai arrancar no imediato e temos a expectativa de que fique concluído este ano.”
E como fica o défice? Questionado pelos jornalistas, o governante admitiu que “as implicações para o défice podem ser complexas”, mas “estamos a discutir passo a passo para que isso não venha a materializar-se”.
Relembrou que “nesta operação não há ajuda de Estado e isso é condição necessária para que não haja efeito do défice”. Apesar desta condição estar assegurada, faltarão negociar outras.
O plano na íntegra Horas antes, o governo anunciara que, em acordo com a Comissão Europeia, “o Estado português fica autorizado a realizar um aumento de capital até 2700 milhões de euros”, mas que só este dinheiro não chega para cobrir as necessidades de capital da CGD.
Assim, o Estado vai ainda “transferir as ações da Parcaixa [holding de gestão de carteira da CGD e da Parbública] para a CGD no valor de 500 milhões de euros e converter 960 milhões de euros de instrumentos de capital contingentes (CoCo’s) subscritos pelo Estado em ações”.
E há um último reforço. “A CGD deverá ainda realizar uma emissão de instrumentos de dívida com elevado grau de subordinação, de cerca de 1000 milhões de euros, elegível para efeitos de cumprimento dos rácios de capital regulatório”, uma vez que esta emissão “ocorrerá junto de investidores privados”, tendo o ministro detalhado mesmo que “não poderá ser tomada por investidores relacionados com o Estado”. Os mil milhões serão captados em duas fases, a primeira das quais em simultâneo com a capitalização de 2700 milhões. No total, a CGD vai receber mais 5160 milhões de euros em capital.
Com um objetivo de défice de 2,2% do PIB neste ano e de dívida pública de 124,8%, esta megaoperação Caixa constitui um risco evidente para as metas orçamentais. Por isso, reafirmou Centeno, o governo está a negociar com Bruxelas a forma de contabilizar estes novos custos, tentando imputá-los à dívida pública e não ao défice, sobretudo depois de em 2015 o país ter violado (de novo) a regra dos 3%, escapando por pouco a multas da Comissão.
Em todo o caso, se for à dívida, como se perfila, a despesa com a CGD será paga pelas gerações futuras. E agrava indiretamente o défice por via dos juros.
Cortes também incluem rescisões A dimensão da reestruturação de que o banco público será alvo foi um dos aspetos que ontem ficaram por conhecer em maior detalhe. Mas um novo pormenor saltou à vista: o ministro admitiu pela primeira vez que o“reajustamento” do pessoal na CGD passará não só “por via das reformas antecipadas” mas também “por rescisões por mútuo acordo”. Em junho, o governante apontava apenas as “aposentações” ou “um plano alargado de reformas” como forma de reduzir pessoal. Nesse mesmo mês, e em reunião com os sindicatos do banco, o governo admitia a redução de até 2500 trabalhadores na CGD entre 2017 e 2019.
A precisar de um retificativo para avançar com a recapitalização, a questão dos trabalhadores poderá surgir como um foco de problemas com os partidos à esquerda. Ainda ontem o PCP reagiu, por Jorge Pires, da comissão política do partido, salientando que “não estaremos de acordo que se aceite como contrapartida [da capitalização] a imposição de reduzir a atividade da Caixa”. Mas a reestruturação da CGD não será apresentada desta forma. Diz o Ministério das Finanças que “as metas e as medidas a adotar pela administração da CGD estão incluídas no plano de negócios e não são contrapartida da injeção de capital, na medida em que não se trata de um plano de ajuda de Estado”.
Mário Centeno deixou uma palavra de “tranquilidade” aos trabalhadores e disse que as mudanças na CGD preveem a eliminação a restrições salariais e às progressões nas carreiras. Apesar de muitos detalhes terem ficado ontem por esclarecer, Centeno poderá ser chamado já a 8 de setembro ao Parlamento para explicar melhor aos deputados o que está em causa, intenção expressa por Pedro Mota Soares, do CDS.