Líder sindical: “É possível aumentar valor gerado pelos pilotos” da TAP
Estando os dois aqui pelo Marquês de Pombal, a decisão do antigo secretário de Estado do Turismo foi rápida: juntar-nos-íamos para almoçar numa das duas casas que ali tem ao lado. A balança pendeu para o Bistrô4, no Porto Bay Liberdade, o hotel de cinco estrelas do grupo madeirense na Rua Rosa Araújo. Não ficávamos menos bem servidos se o acaso nos tivesse levado à Duque de Palmela, onde Bernardo Trindade também administra a mais recente aposta do grupo, um quatro estrelas que nasceu em junho onde antes esteve o Aviz e que adotou o nome de Marquês. Mas a opção justifica-se: “Achei que fazia sentido visto que o Porto Bay Liberdade foi o primeiro hotel que abrimos em Lisboa, há ano e meio.” E porque me recebia, imune à argumentação de princípio de que o convidado era ele, não deu hipótese: a despesa que está descrita adiante ficaria por conta da casa.
Bom conversador e com ideias e discurso bem arrumados, só há um tema de que recusa falar: a Caixa Geral de Depósitos. Depois de convidado para fazer parte da administração não executiva do banco do Estado e chumbado por Bruxelas – que considerou haver conflito de interesses (a Porto Bay é cliente da CGD), o empresário limita-se a desejar “o melhor para a Caixa e que cumpra a sua missão”.
Assumindo o papel de anfitrião, escolheu uma mesa tranquila e bem iluminada e vai-me explicando o menu executivo: “Sou um defensor desta opção, que é muito fair em qualidadepreço – tem uma entrada de sopa ou salada, uma escolha proteica (peixe ou carne) e fruta ou doce.” Não o acompanho na entrada, mas Bernardo não a dispensa: “Só não como sopa ao pequeno-almoço, e se pudesse comia. E tenho transmitido isso à descendência.” Dos três filhos (entre 11 e 19 anos), só a mais pequena “é de Lisboa – nasceu no Funchal mas veio logo para cá”. Ao contrário dele, que nasceu aqui por casuali- dade – os pais estavam a estudar na capital –, mas cresceu na Madeira. Mudou-se em 2005 quando aceitou ser secretário de Estado do Turismo, lugar que manteve nos dois governos de Sócrates.
A experiência foi “muito gratificante”. “Foram seis anos e meio em que dei o melhor de mim. Em tudo na vida há um momento, e esse foi o meu.” Entusiasma-se quando fala de turismo, meio em que cresceu – “as minhas primeiras experiências de trabalho, com 12 ou 13 anos, foram a empacotar batatas fritas e azeitonas, depois como barman, na restauração... fiquei com a noção do que era uma empresa”. A formação é de Economia e nos primeiros anos de carreira esteve no Citibank, KPMG e BES. No banco conheceu a realidade económica e social da Madeira “como poucos, porque havia balcões e clientes por toda a ilha”.
Vítor, o chefe de sala – que a par de Eduardo, que há de trazer o almoço, faz parte de “uma célula de madeirenses que se aproximaram do grupo em Lisboa” e hoje representam uma parte importante da equipa, conferindo-lhe “estabilidade” –, traz água e vinho branco. “Naquela altura só o turismo, que me dizia muito e onde tinha algo a acrescentar, me levaria a trocar a Madeira por Lisboa.”
Aos 46 anos, sem planos para regressar ao Funchal, se o convidassem para voltar à pasta, aceitava? “Tudo na vida tem um momento. Estamos muitíssimo bem servidos, quer na secretaria de Estado quer no Turismo de Portugal, temos pessoas muito disponíveis e competentes a servir o setor e assim espero que continuem.” Improvável, portanto. Tanto quanto responder positivamente a um eventual convite de António Costa para outra área: “Nunca digo desta água não beberei, mas dei o melhor de mim naquela altura e nos últimos anos optei por fazer intervenção pública na via associativa. Sou vice-presidente da Associação de Hotelaria de Portugal e acho que também se pode intervir civicamente por esta via.”
Não deixa, porém, de estar em dia com a política e atento ao caminho de Costa. Entre duas colheradas do creme de alho-francês e curgete, sublinha que a história há de narrar que Costa “foi responsável pela refundação do sistema político, que sempre recusou que o quadro da governação ficasse confinado a PS, PSD e CDS, alargando a governabilidade aos partidos de esquerda”. Destaca a “relação interessante” com o PCP e o BE, mas lembra que o governo também juntou ao Orçamento iniciativas do CDS, “o que significa que há um quadro de diálogo razoável que é bom que continue”. E explica porque acha que esta solução, que “as pessoas sempre acharam pouco razoável, mas em que António Costa estava profundamente empenhado”, está a correr bem. “Vamos com quase um ano de legislatura, a caminho do segundo Orçamento. Está percebido que a receita que as instituições quiseram aplicar em Portugal e noutros países não funciona. Um conjunto de políticas alternativas permi-
“O alojamento local ajudou muito à reabilitação. O exemplo de Lisboa é de boa intervenção feita no espaço público” “O PSD da Madeira é tudo menos social-democrata, é social-coletivista”
tiram repor algum nível de rendimento, trazer melhorias à qualidade de vida das pessoas.”
Uma visita inesperada interrompe a conversa mas não o raciocínio, que Bernardo retoma depois de cumprimentar e me apresentar a mãe, que ali foi almoçar. Admite que o processo ainda não chegou ao fim e falta cumprir o mais difícil: “Aliar isto ao crescimento.” Rejeita que a dificuldade em fazer arrancar a economia seja justificável pelas políticas do governo. “A recuperação está a fazer-se timidamente, abaixo do ritmo esperado, em função dos nossos compromissos internacionais e da má performance de países irmãos. Venezuela, Angola, Brasil são importantíssimos na colocação dos nossos produtos.”
E o consumo? O investimento? Quando chegarão? O antigo governante insiste: “O perfil da nossa economia está a mudar. Se avaliar as startups que se têm instalado aqui, muitas delas ligadas ao turismo, vê que ele existe. Admito que há um caminho a fazer em termos de escala. Fruto das restrições a que estamos sujeitos, o investimento público não pode fazer-se” a níveis como os que tivemos “na primeira década deste século”. E o consumo “está a evoluir, mas para o crescimento ser robusto (de 1,8%, como se previa) tinha de ter contributos dessas diferentes componentes”.
Vem o salmão e a minha deliciosa bifana, bem acompanhada de milho frito –“a cozinha aquié internacional mas tem apontam en desemprego tos madeirenses”. E faz muito bem: a comida é boa mesmo. Tanto que não resistirei a experimentar a sobremesa de banana da Madeira.
Enquanto é a proteína que nos ocupa, Bernardo recorda a discussão europeia sobre a “falta de solidariedade da Alemanha”, que devia gastar o excedente orçamental em importações de países como Portugal. Critica o país que vive concentrado na conservação de ativos – “resquícios da Alemanha dizimada” do pós-Guerra – e que influencia as políticas do BCE no sentido de pôr a inflação no topo das preocupações, por oposição à estratégia da norte-americana Fed e do Banco Central de Inglaterra, cuja prioridade é o crescimento.
Com o salmão meio esquecido, sublinha a importância que o turismo tem tido para Portugal neste contexto difícil, “graças a crescimentos de dois dígitos e um peso crescente na economia. A realidade turística em Portugal é incontornável. Neste ano, o saldo da balança turística (diferença entre o que cada turista estrangeiro gasta cá e o que cada português paga lá fora) será de oito mil milhões de euros. É o maior setor exportador, a valer mais de 15% nas nossas vendas, com a vantagem de ser uma exportação que acontece cá dentro, ou seja, beneficiamos também do lado dos impostos que o turista paga sobre o que consome aqui”.
Quando o assunto é turismo, o que defende não fica longe das ideias ouvidas ao ex-secretário de Estado Adolfo Mesquita Nunes, com quem mantém “uma ótima relação de amizade” e a quem elogia trabalho feito. “O alojamento paralelo no Algarve era uma realidade completamente fora do controlo” e que se queria integrar no circuito formal. “O Adolfo mais longe: criou o diploma próprio, deu-lhe substância do ponto de vista de considerá-lo alojamento turístico e hoje há exemplos muitíssimo bem conseguidos em todo o país.” Ainda há um desafio: “Criar condições para que o mercado de arrendamento, pouco aliciante em função destas dinâmicas, possa ter um quadro de atuação e fiscal mais próximo do alojamento local para que possamos ter lisboetas a viver aqui e a conviver com turistas.” Mas sublinha: “O alojamento local ajudou muito à reabilitação e Lisboa é um exemplo de boa intervenção feita no espaço público.”
É um apoiante acérrimo das low-cost – “democratizaram as viagens e alteraram o paradigma do transporte aéreo na procura por Portugal; eu, como madeirense, tenho-me batido que nem um mouro para que se possa alargar a oferta de transporte aéreo. Porque o próprio Estado beneficia com isso: havendo mais oferta, os preços baixam e a despesa do Estado em subsídios aos madeirenses é menor.” E atribui “ao setor e a todos os agentes” o mérito dos sucessivos recordes do turismo. “Se as ofertas hoteleiras ou o destino fossem maus, o cliente vinha uma vez e não repetia.” E recorda como tudo mudou desde que ele tinha a pasta: “Quando iniciámos o trabalho, falava-se em três regiões turísticas: Algarve, Madeira e Lisboa. Hoje, o país, de norte a sul e regiões autónomas, é muitíssimo agradável para visitar.”
Passados cinco anos desde que trocou as políticas públicas pela iniciativa privada, Bernardo parece estar só a começar. Com os Porto Bay em Lisboa a funcionar em pleno, os seis hotéis da Madeira imunes à crise (nestes oito em sociedade com outras famílias madeirenses: os Blandy, os Caldeira e os Welsh; nos quatro restantes com Alexandre Relvas e Filipe de Botton), o do Algarve a pleno vapor e apenas os três do Brasil “a corrigir um bocadinho relativamente a grandes números, nada que preocupe grandemente”, a expansão continua nos planos. “Há três alvos identificados. Gostávamos de olhar para o Porto, aumentar a presença no Algarve e dar um passo em Espanha: Madrid ou Barcelona.”
Os negócios estão a crescer também noutra dimensão, mais desconhecida. Na Calheta, na zona franca da Madeira, os Trindade juntaram-se ao projeto dos Welsh: uma fábrica de rebuçados e caramelos de funcho que já exporta para os Emirados Árabes Unidos, a Rússia, a Polónia ou a Espanha – onde é fornecedora da marca Dia.
À mesa, a proposta irrecusável que chega é o crumble de banana da Madeira e chocolate a que junto uma pergunta: quando é que poderá haver um governo PS na Madeira? A resposta pronta: “Ou um quadro parlamentar diferente, que envolva outras forças políticas, se não for possível a maioria de um só... É um desafio importante e o PS Madeira tem de se preparar para ele numa altura em que a maioria na Assembleia Regional está presa por um deputado.” Até porque o atual governo “ainda não identificou bem” as suas prioridades. E as coisas mudaram com Miguel Albuquerque. “O Parlamento já recebe membros do governo, eles prestam contas – o que não acontecia. O grau de convivência é diferente.”
A um madeirense que nunca perderá o sotaque pergunto como é que Alberto João Jardim se manteve 40 anos no poder. “Reconheço mérito a quem ganha. E muitas assimetrias foram diminuídas e em áreas de intervenção pública as coisas melhoraram.” Mas recorda que a Madeira mantém o nível de mais alto do país (13% no segundo trimestre, quando a taxa nacional se situou nos 10,8%), “o que significa que houve uma incapacidade na construção de um modelo de governação capaz de criar riqueza e emprego”. Justifica o atraso na afirmação da oposição com o tecido económico e social da Madeira “com quadros de profundíssima dependência do setor público” e garante conhecer “casos de pessoas que eram seguidas”.
Foi isso que o fez aproximar-se do PS. A entrada na política – deputado na Assembleia Regional – não surpreendeu os amigos. “Sempre me conheceram a ser opositor ao regime jardinista. Numa altura em que o quadro de preocupações eram as namoradas, o desporto, eu valorizava também já esta dimensão de intervenção cívica e política.” Conta que em casa foi ensinado a fazer perguntas e não lhe era natural que não houvesse diferentes soluções governativas. “Eu só convivi com aquela experiência de poder e o PSD-Madeira é tudo menos social-democrata, é social-coletivista numa região que depende do Estado. Às vezes, na minha terra, considero-me um perigoso liberal, porque entendo que há vida para além do Estado. O Estado cumpre o seu papel de regulação em determinados setores, mas deve dar espaço à livre iniciativa. Na Madeira, à exceção do turismo, tudo vive em torno da máquina pública. Isso nunca aceitei.”
Para o café ficou guardada a pergunta que se formou no início da conversa: Bernardo esteve no BES, nos governos Sócrates... “Eu tinha de ser um tipo com alguma autoestima para não refazer o currículo!” Ri-se. Depois mais a sério diz que aprendeu e gostou “imenso” dessas experiências. “Quanto a pessoas e processos, prefiro ficar no plano dos princípios. Acredito enquanto cidadão que vivemos num Estado democrático de direito e é fundamental que as instituições funcionem. Têm de ser criadas condições para que funcionem, na certeza de que decisões dessa natureza, envolvendo pessoas com tamanha responsabilidade, possam ser as melhores, em nome da justiça, dos visados, de todos nós.”