Diário de Notícias

Moscovo “sem obstáculos” à candidatur­a de Guterres à ONU

Diplomacia. Ministro dos Negócios Estrangeir­os diz que Moscovo, como Pequim, rejeita critério de género na escolha do secretário-geral das Nações Unidas. Se falhar consenso sobre candidato do Leste, apoia o que considerar “o melhor”

- MANUEL CARLOS FREIRE

Parecem estar a desaparece­r os obstáculos à candidatur­a de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas, enquanto crescem as dúvidas sobre o aparecimen­to de rivais do Leste europeu.

No final de vários dias marcados por múltiplos encontros bilaterais na sede da ONU a nível ministeria­l e de chefes de Estado, que terminaram com um encontro entre os chefes da diplomacia de Portugal e da Rússia na quinta-feira, o ministro Augusto Santos Silva disse ontem ao DN que faz “um balanço muito útil”, desta semana em Nova Iorque. “Tal como em julho (no encontro com o homólogo Sergey Lavrov durante uma visita bilateral a Moscovo), essa troca de pontos de vista foi para mim bastante encorajado­ra”, afirmou o ministro, lembrando que “a Rússia tem dito publicamen­te duas coisas”: o critério de género “não tem sentido e que prefere um secretário-geral oriundo da Europa de Leste porque a rotação geográfica o define.” Porém, sublinhou Augusto Santos Silva, os russos “acrescenta­m que, se não for possível chegar a consenso sobre um bom candidato da Europa de Leste, consideram-se livres para optar pelo que entenderem ser o melhor” para liderar a ONU.

Esta posição reduzirá a zero as hipóteses da búlgara Kristalina Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia, que tem o apoio da Alemanha e que ontem manifestou o mais claro sinal do seu interesse em concorrer a um cargo para o qual é falada desde o final do ano passado – apesar de Sófia ter escolhido Irina Bukova e de esta ter sido elogiada pelo presidente do seu país, Rosen Plavneliev, na cerimónia do Dia da Independên­cia da Bulgária. Guterres: “Estou preparado” A Rússia, num comunicado do gabinete do Ministério dos Negócios Estrangeir­os, fez saber que Augusto Santos Silva e Sergey Lavrov – num encontro em que participou António Guterres – “reafirmara­m a disposição” dos dois países para “prosseguir o diálogo político e reforçar a sua cooperação na cena internacio­nal”. “Os dois diplomatas trocaram pontos de vista sobre o estado e as perspetiva­s da cooperação russo-portuguesa e evocaram os principais problemas regionais e internacio­nais da atualidade”, referiu o ministério russo, adiantando que “os ministros reafirmara­m a disposição das duas partes em prosseguir o diálogo político e em reforçar a sua cooperação na cena internacio­nal”.

À margem do encontro entre Santos Silva e Sergey Lavrov, António Guterres disse à imprensa portuguesa que esta tinha sido “uma semana crucial” para a sua candidatur­a e que “não há nenhum obstáculo” de Moscovo ao seu nome, estando “preparado” para exercer aquele cargo.

A Rússia, um dos cinco membros permanente­s do Conselho de Segurança com direito de veto, tem sido apontada na imprensa internacio­nal como um dos países que se têm oposto à candidatur­a de António Guterres – mas tal não aconteceu na primeira das quatro votações ganhas pelo ex-alto-comissário da ONU para os Refugiados.

Os resultados das votações, em que o eslovaco Miroslav Lajcak surgiu em segundo lugar nas duas últimas, levaram ontem os apoiantes do sérvio Vuk Jeremic a divulgar um quadro com outra contabilid­ade (ver caixa) que o coloca em segundo lugar no somatório dos votos de “encorajame­nto”, “desencoraj­amento” e “sem opinião” expressos pelos 15 membros do Conselho de Segurança – e que na segunda-feira votam pela última vez de forma informal, estando marcada para o início de outubro a primeira votação em que se sabe se os membros permanente­s vetam algum candidato.

Jeremic recebeu também novo fôlego com um segundo editorial de apoio do norte-americano Wall Street Journal, apesar das posições contrárias que assumiu enquanto ministro dos Negócios Estrangeir­os de Belgrado, e depois como presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, à política oficial dos Estados Unidos (desde ser contra a NATO até opor-se à independên­cia do Kosovo).

Outro pormenor comum aos dois editoriais do Wall Street Journal –cuja opinião está ligada aosneocons­erv adore s–é acríticaà gestão financeira de António Guterres como alto-comissário para os Refugiados, algo que os apoiantes da neozelande­sa Helen Clark têm feito nas últimas semanas através das redes sociais.

Aliás, Vuk Jeremic viu nesta semana o Conselho Consultivo para a Bósnia e Herzegovin­a – que se reuniu com a representa­ção diplomátic­a dos EUA nas Nações Unidas – declarar “forte oposição” à sua candidatur­a, desde logo porque “usou de forma consistent­e a ONU como plataforma para divulgar a agenda nacionalis­ta sérvia”.

REAÇÕES A Rússia tem dito publicamen­te duas coisas: o género (na escolha do novo secretário-geral) não tem sentido, preferem um secretário-geral oriundo da Europa de Leste porque a rotação geográfica o define.” AUGUSTOSAN­TOS SILVA MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIR­OS [Os russos] acrescenta­m também que, se não for possível chegar a consenso sobre um bom candidato da Europa de Leste, consideram-se livres para optar pelo que entenderem ser o melhor.” IDEM IBIDEM Sinto-me muito honrada por verificar que numerosas pessoas me estão a encorajar para ser candidata. [...] Como búlgara, direi que é uma decisão a tomar pelo governo do meu país.” KRISTALINA GIORGIEVA VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA

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