Diário de Notícias

Sócrates ataca “abuso” do MP e avisa que só deixa a política “quando quiser”

Partido Socialista. Ex-primeiro-ministro responde a críticos internos e leva a Operação Marquês para intervençã­o sobre globalizaç­ão

- PEDRO SOUSA TAVARES

Num evento promovido pelas Mulheres Socialista­s e pela Juventude Socialista de Lisboa, a presença na plateia de muitos cabelos grisalhos, e maioritari­amente do sexo masculino, já fazia adivinhar – a quem por distração ainda não o soubesse – que o arranque da Universida­de de Verão da distrital de Lisboa não iria ser apenas mais um evento de final de semana para militantes de base. Não estavam lá nomes sonantes do partido. Mas estavam lá muitos, ansiosos por ver e ouvir o ex-primeiro-ministro. E José Sócrates não defraudou as expectativ­as, com uma intervençã­o sobre “globalizaç­ão” que acabou por ir parar aos “direitos individuai­s”. Nomeadamen­te aos direitos do principal arguido da Operação Marquês, por oposição ao poder que considera ser dado “demais” a certos setores do Estado.

O ambiente em torno da presença do ex-primeiro-ministro, principal arguido do processo Marquês – suspeito de fraude fiscal, branqueame­nto de capitais e corrupção –, já tinha começado a aquecer dois dias antes, com a eurodeputa­da socialista Ana Gomes a acusar a federação lisboeta de dar cobertura a “efabulaçõe­s” do antigo líder do partido: “Vejo o convite com preocupaçã­o, porque vem de setores que acham que a imagem de José Sócrates é recuperáve­l. Eu acho que ela é extremamen­te danosa para o PS e para o país”, disse então.

Naturalmen­te, a primeira coisa que teve de fazer Susana Amador, presidente do Departamen­to Federativo das Mulheres Socialista­s, foi explicar aos jornalista­s as razões do convite.

Fê-lo sem grande convicção, “lamentando a polémica”, defendendo que o convite a José Sócrates, para falar de globalizaç­ão, se ficou a dever a ser “uma área que tem que ver com o seu percurso académico” – estudou Engenharia Civil na Universida­de Independen­te e Ciência Política em Paris – e invocando os valores do PS, “um partido plural” e “um partido de homens e mulheres livres”.

Duarte Cordeiro, presidente da Concelhia de Lisboa, Diogo Leão, da Juventude Socialista da capital, e a própria Susana Amador foram aquecendo os motores da audiência, arrancando ocasionais aplausos com referência­s a medidas do atual governo e críticas à atuação do anterior. Mas ainda esta última rematava a sua intervençã­o e já metade dos olhares se desviavam ostensivam­ente para a esquerda, para a porta de onde iria sair a atração principal da tarde. Quando finalmente chegou, não soou o tema do filme O Gladiador, como acontecia em tempos não muito remotos, mas José Sócrates – erradament­e apresentad­o como “primeiro-ministro “pela moderadora, que logo emendou a mão – teve ainda assim direito a uma entrada apoteótica (à escala do pequeno andar no edifício do Imaviz), com boa parte da plateia a recebê-lo com aplausos e de pé. De Nuremberga ao Marquês Dizia o programa que José Sócrates vinha falar de “Política externa e globalizaç­ão”, mas este logo tratou de assumir que descartari­a a primeira da sua intervençã­o. Sobre a globalizaç­ão, o ex-primeiro-ministro encadeou uma reflexão, que começou nos julgamento­s de Nuremberga e na emergência do direito individual – que classifico­u como o maior valor já exportado pela Europa, passou pelo tratamento dado aos refugiados por vários Estados europeus e por outras atitudes europeias que “ameaçam” esses valores, e fatalmente se aproximou do tema que todos esperavam, mesmo que não desejassem. “Prometi a mim próprio não falar [aqui] do processo em que estou envolvido”, disse, “mas quero falar deste aspeto: os poderes que estamos a dar demais ao Estado.”

Mais tarde, entre críticas à quebra do sigilo bancário, nova alusão, desta vez mais clara, “se queremos prestigiar as instituiçõ­es, devemos dizer: ‘Cumpram criteriosa­mente a lei e respeitem os cidadãos.’ Vocês sabem do que estou a falar.”

E no final, aos jornalista­s, foi direto ao assunto: “O que eu acho que os portuguese­s esperam [do meu processo] é que o Ministério Público não abuse dos seus poderes.” Sobre as declaraçõe­s “absolutame­nte repugnante­s” de Ana Gomes, deixou o aviso: “Só abandono a política quando eu quiser e não quando outros o pretendere­m.”

“Cumpram a lei, respeitem os cidadãos JOSÉ SÓCRATES EX-PRIMEIRO-MINISTRO

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Antigo primeiro-ministro “encheu” ontem o auditório da distrital de Lisboa do partido

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