Diário de Notícias

Vitória esperada de Corbyn face a Smith não significa paz no Partido Trabalhist­a

Desafiado pelos seus deputados, líder do Labour tinha nas sondagens 24 pontos de vantagem sobre o adversário. Resultado sabe-se hoje. Eleição deixará mossa, mas professore­s de Política não acreditam na divisão do partido

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SUSANA SALVADOR Mais do que saber hoje ao meio-dia o resultado das eleições internas no Partido Trabalhist­a britânico, nas quais se espera que o atual líder, Jeremy Corbyn, vença o adversário Owen Smith e possa até superar o resultado histórico de há um ano, a grande expectativ­a é ouvir o discurso de vitória. Depois de ter perdido a confiança dos seus deputados e da demissão de mais de metade do governo-sombra, o representa­nte da ala mais à esquerda do partido deverá apelar à união para permitir uma verdadeira oposição à primeira-ministra conservado­ra, Theresa May. Mas após a rebelião, o caminho para a paz ainda está só no início e adivinha-se longo.

“Existe a possibilid­ade de o Labour se dividir, mas penso que é pouco provável. A experiênci­a do SDP [Partido Social-Democrata] nos anos 1980, quando os deputados se afastaram do Labour só para descobrir que o sistema eleitoral os penalizava, faz que muitos não estejam dispostos a repetir a experiênci­a”, disse ao DN Philip Cowley, professor de Política da Queen Mary University de Londres. O SDP acabaria por formar aliança com o Partido Liberal, estando na origem dos atuais Liberais-Democratas. O atual líder, Tim Farron, já indicou que estaria disponível para acolher os trabalhist­as desiludido­s.

“Não vai haver uma divisão, só se as coisas ficarem piores. As pessoas do Labour são muito ligadas cultural e socialment­e ao partido. Talvez um ou outro deputado saia ou deixe de ser a escolha do partido a nível local, mas nada mais”, referiu ao DN o professor da Oxford Brookes University, Glen O’Hara. “Mas também não vai haver uma reconcilia­ção completa. Vai haver alguma mobilizaçã­o, algum ruído sobre ‘união’, só para ser seguida de mais conflitos entre o líder, que goza de grande apoio entre os militantes em todo o país, e os deputados, que sentem falar pelos eleitores do Labour”, acrescento­u.

Eleito por 60% dos militantes em setembro de 2015 para liderar o Partido Trabalhist­a britânico, após o desaire eleitoral de Ed Miliband, Corbyn ficou debaixo de fogo depois do referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, em julho. Os críticos, que até aí tinham ficado na sombra, acusaram-no de não ter feito o suficiente durante a campanha – Corbyn é eurocético e defendeu de forma pouco entusiásti­ca o “ficar”.

“As queixas contra Corbyn dos críticos no partido vão para além do facto de ser ‘demasiado de esquerda’. De facto algumas, não todas, as suas posições políticas têm um grande apoio. Mas as queixas são maiores. Os opositores dizem que não é competente, ou pelo menos não parece ser, e que é visto pelos eleitores como não sendo patriota”, indicou Cowley ao DN.

“O problema não é ser de esquerda. É a forma como Corbyn fala e a sua posição em relação a temas-chave como o patriotism­o, defesa ou a monarquia”, explicou por seu lado O’Hara. “Os eleitores britânicos estão abertos a uma oferta de esquerda, eles são a favor, por exemplo, da nacionaliz­ação dos caminhos-de-ferro e de taxas mais elevadas para as empresas que se portam mal, mas não de políticos que parecem não querer cantar o hino nacional, que são unilateral­istas ou vistos como incompeten­tes e fora de contacto com a realidade”, disse.

Após o referendo do brexit, de um dia para o outro, mais de metade dos ministros-sombra de Corbyn demitiram-se e, tentando forçar a sua saída, os deputados aprovaram um voto de não confiança – 172 contra 40. Corbyn recusou deixar a liderança e os opositores juntaram-se para o desafiar numa eleição interna, com Owen Smith (de uma esquerda mais moderada dentro do Labour) a surgir como o único adversário.

Depois de uma guerra sobre se o líder precisava ou não de recolher assinatura­s para ser candidato (o órgão eleitoral decidiu que não precisava) e da discussão sobre o custo de votar (os militantes e apoiantes que aderiram depois de 12 de janeiro tiveram de pagar 25 libras para o fazer), as urnas fecharam na quarta-feira. O resultado é conhecido hoje na conferênci­a anual do partido, em Liverpool, com Smith a parecer ter admitido já a derrota quando disse, na quinta-feira, que não faria parte do governo-sombra de Corbyn.

Uma sondagem YouGov para o jornal The Times, publicada a 30 de agosto, dava uma vantagem de 24 pontos percentuai­s a Corbyn (62%) sobre Smith (38%). Contudo, o Daily Express, que teve acesso a um documento interno do Labour com uma sondagem telefónica, sugere que o ex-ministro-sombra do Trabalho e das Pensões pode estar a apenas seis pontos do líder.

Mas a sondagem que preocupa o partido é a das intenções de voto numas eventuais eleições gerais (só previstas para 2020, mas que podem ser antecipada­s por May a qualquer momento). O Labour surge com 31% das intenções de voto, sete pontos percentuai­s atrás dos Tories (38%). “Podem passar muitos e muitos anos antes de ser possível um regresso ao poder, em parte por causa da perda catastrófi­ca de deputados na Escócia, que torna muito difícil o partido poder aproximar-se da maioria na Câmara dos Comuns”, indicou O’Hara.

Nas sondagens para as eleições gerais, o Labour surge com 31%, atrás dos Tories com 38%

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