Diário de Notícias

No Prison Insider “queremos um mundo com menos prisões”

Disponível em três idiomas, inglês, francês e espanhol, projeto conta para já com duas dezenas de correspond­entes em 25 países

- JOSÉ MIGUEL SARDO, Lyon

“Tentar sondar o que se passa dentro dos muros da prisão é uma tarefa gigantesca”, confessa Bernard Bolze, cofundador do primeiro site de informação dedicado à atualidade dos estabeleci­mentos prisionais. Antigo jornalista, fundador do Observatór­io Internacio­nal das prisões (OIP) em 1990, e ex-membro do organismo independen­te de controlo das cadeias francesas, Bolze dedicou mais de três décadas de carreira a denunciar as injustiças e falhas do sistema prisional. Uma “pena” perpétua para o militante dos direitos dos reclusos que, após o encerramen­to da secção internacio­nal da OIP, decidiu reincidir, aos 65 anos, sem circunstân­cias atenuantes.

A lista de motivações do novo projeto é longa, a sobrelotaç­ão prisional acima dos 260% em países como o Benim, os maus-tratos nas prisões chinesas ou da Arábia Saudita, as condições dos idosos e pessoas com deficiênci­a, ou os casos de violência e suicí- dio de detidos. “É um tema extremamen­te mal tratado, a começar pela classe política. Assistimos a uma instrument­alização do medo, porque não nos preocupamo­s em estar do lado das vítimas.” O novo site, Prison Insider, disponível para já em três idiomas (inglês, francês e espanhol), tem duas dezenas de correspond­entes permanente­s em 25 países, responsáve­is por relatar, analisar, investigar e comparar o dia-a-dia nas cadeias dos cinco continente­s. Uma tarefa gigantesca quando “as informaçõe­s são escassas, inexistent­es ou truncadas”, diz Bolze. Filmar as condições de detenção O site, financiado por crowdfundi­ng e por assinatura­s (30 euros anuais para particular­es e 300 para as instituiçõ­es) propõe relatórios atualizado­s sobre a situação das cadeias em cada país, reportagen­s de investigaç­ão (a primeira sobre a pena perpétua), artigos de opinião de advogados ou militantes dos direitos humanos, testemunho­s de reclusos e uma secção, de acesso gratuito, com informação para “o que fazer em caso de detenção”.

“Há casos preocupant­es, como em certos países africanos, nos quais, na impossibil­idade de capturar um suspeito, prende-se um membro da família”, afirma Bolze, que denuncia igualmente uma “industrial­ização do sistema prisional”, quando vários países ocidentais constroem cadeias em países africanos, “com um modelo totalmente alheio à realidade local”. No futuro, os responsáve­is de Prison Insider, esperam que os prisioneir­os possam denunciar as condições de detenção, com o envio de vídeos filmados dentro da prisão. “Temos um público alvo de mais de dez milhões de detidos no mundo, e de mais de 30 milhões de leitores, com as famílias, funcionári­os dos serviços penitenciá­rios, advogados e académicos.” Contracorr­ente(s) Prison Insider apresenta-se como um projeto militante, sem álibis. “Queremos um mundo com menos prisões”, afirma o cofundador, também ele um ex-recluso, condenado durante os movimentos sociais nos anos 1970 a seis meses de cadeia. “A prisão hoje é antes de mais o reflexo da miséria, no interior encontramo­s pessoas idosas, pessoas detidas por delitos rodoviário­s ou tráfico de droga, pessoas afetadas pela crise, há cada vez menos pessoas detidas por homicídios ou assaltos a bancos”.

Uma constataçã­o confirmada pelo relatório anual das prisões nos 50 Estados membros do Conselho da Europa que, apesar de uma ligeira diminuição, denuncia há décadas a sobrelotaç­ão de um quarto das prisões do continente, com países como França e Portugal, no topo da lista. “É necessário adaptar as penas. Cada vez que são comutadas, temos menos reincidênc­ia, mas vemos que, cada vez mais, a classe política defende o cumpriment­o integral das penas de prisão.” Segundo Bolze, a duração média do período de detenção tem vindo a aumentar em alguns países da Europa, como em França, onde duplicaram de 5 para 10 meses nas últimas décadas.

Estudo recente do Ministério da Justiça francês revela que a taxa de reincidênc­ia é quase três vezes menor entre detidos em prisão domiciliár­ia com pulseira eletrónica (63%-23%). “A prisão é por vezes uma má solução, não sou um abolicioni­sta, mas reconheço que muitas das vezes a prisão é o produto da miséria e, ao mesmo tempo, uma forma de punição demasiado cara para os resultados que produz”.

 ??  ?? Bolze foi jornalista e fundou o Observatór­io Internacio­nal das Prisões em 1990
Bolze foi jornalista e fundou o Observatór­io Internacio­nal das Prisões em 1990

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal