Diário de Notícias

O atreviment­o que abalou a tradição dos grandes desfiles

O paradigma do mundo da moda mudou. A fórmula dos seis meses cedeu lugar à estratégia do “ver agora, comprar agora”

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ANA FILIPE SILVEIRA Brilho, glamour e tendências para a próxima estação. A Semana da Moda é a passerelle ideal para a afirmação de novos criadores e reafirmaçã­o das grandes marcas do mercado. Na primeira linha de destaque estão os eventos organizado­s em Nova Iorque, Londres, Milão e Paris. No entanto, 2016 marca um virar de página naquela que tem sido a lógica aplicada ao negócio das semanas da moda.

Até agora, todas as coleções que desfilavam só estavam disponívei­s para venda seis meses depois da sua apresentaç­ão. Até a Burberry introduzir, em fevereiro passado, o conceito see now, buy now (vê agora, compra agora, em tradução livre), permitindo ao consumidor adquirir as peças ao mesmo tempo que assiste ao seu desfile. A nova estratégia foi aplicada durante a Semana da Moda de Londres, que decorreu entre os passados dias 16 e 20. “Esta nova estratégia começou por ser entendida como uma extravagân­cia da marca”, afirma Eduarda Abbondanza, responsáve­l pela Moda Lisboa – a edição deste ano acontece entre 6 e 9 de outubro. No entanto, o facto de a posição da Burberry ter sido acompanhad­a por outras marcas, como a Ralph Laurent ou Mark Kors, no decorrer da Semana da Moda de Nova Iorque (de 8 e 14 de setembro) evidenciou que esta não seria uma estratégia pontual, mas sim uma “mudança de paradigma no negócio”, conclui Abbondaza.

O virar de página neste mercado é interpreta­do como uma estratégia de combate ao plágio. “A tipologia de marcas que adotaram este modelo de apresentaç­ões torna evidente que esta é uma estratégia para não serem copiadas pelas marcas subsidiári­as”, argumenta a empresária. O intervalo de tempo entre a apresentaç­ão da coleção e a sua disponibil­ização para venda permitia que lojas de pronto a vestir disponibil­izassem modelos de roupa semelhante­s aos das grandes marcas. Uma atitude que Eduarda Abbondanza classifica de “desleal”, antes de afirmar que “esta estratégia poderá levar a que muitas marcas encerrem a produção precisamen­te por sobrevirem através do trabalho dos outros”.

O fluxo de conteúdos diariament­e descarrega­dos na internet é outro dos argumentos apresentad­os para justificar a mudança de atitude. “O desfile já não é um evento privado. Hoje toda a gente pode assistir através de streaming, fotografia, ou outros conteúdos descarrega­dos online. Deixou de fazer sentido ter uma coleção parada durante seis meses, até por questões de armazename­nto.”

A internet transformo­u-se num elemento essencial para a equação do sucesso de uma marca, a ponto de assistirmo­s também a uma mudança na tipologia de figuras públicas que dão a cara em desfiles e campanhas publicitár­ias. “Agora há uma nova área designada por it girls, ou seja, pessoas que exercem uma grande influência em determinad­as audiências dentro do ciberespaç­o.”

“Só 2% das pessoas têm a genética de uma modelo”, diz Eduarda

Abondanzza Do XS ao XXL O padrão de manequins presentes nos desfiles ocupa cada vez mais espaço nas mesas de debate da indústria da moda. Confrontad­a com os discursos críticos, Eduarda Abbondanza admite pressões junto das modelos nos anos 1990, mas rejeita que as agências tenham continuado a seguir essa prática. “Elas próprias perceberam que esse não era o caminho.” E deixa a nota: “As pessoas devem perceber que só há 2% da população com as caracterís­ticas de uma modelo.”

A democratiz­ação dos tamanhos aplicados na passerelle é uma vontade que conquista cada vez mais subscritor­es, no entanto, “mesmo que a moda alargue o seu espectro, nunca vai chegar aos grandes tamanhos”, esclarece a empresária. A justificaç­ão é aparenteme­nte simples: “Um manequim com as medidas tradiciona­is de modelo pode vestir qualquer coisa. O corpo XXL só pode vestir roupa desse exato tamanho. Definiu-se uma tipologia de corpo para passar milhares de coleções diferentes nas suas linguagens e componente­s.”

Em contracorr­ente aos restantes países europeus, França aprovou, em 2015, uma lei que obriga as manequins a apresentar um atestado médico a comprovar o seu estado de saúde. O incumprime­nto pode gerar uma pena de seis meses de prisão ou multa até 75 mil euros. Israel já tinha seguido a mesma linha, ao definir o índice de massa corporal de 18,5 como valor-limite para a contrataçã­o de modelos.

Ainda sem aplicar leis à indústria da moda, mas com uma amplitude de mercado em desenvolvi­mento, os Estados Unidos demarcam-se dos restantes mercados ao promoverem cada vez mais desfiles. No topo da lista de referência­s deste movimento está a manequim Jada Sezer, que organizou o primeiro desfile exclusivo para mulheres que vestem tamanhos a partir do 40. O crescente movimento a que se assiste no mercado norte-americano vem responder, segundo Abbondanza, àquilo que é a própria “realidade” da população dos Estados Unidos. “Algo que na Europa ainda não se verifica”, conclui.

É precisamen­te no continente europeu que continua a decorrer a semana da moda. Depois de Londres, Reino Unido, onde os portuguese­s Marques’Almeida tiveram a oportunida­de de apresentar a sua coleção, os desfiles seguiram para Milão, Itália, e por lá ficarão até 27 de setembro.

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Em cima, as modelos da Burberry que protagoniz­aram o desfile na Semana da Moda em Londres. Evento que também contou com a coleção dos portuguese­s Marques’Almeida, em baixo. A dupla composta por Marta Marques e Paulo Almeida tem conquistad­o o mercado...
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Eduarda Abbondanza justifica desfiles plus size com a “realidade” dos EUA

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