Diário de Notícias

Os filhos dos outros e os nossos

- INÊS TEOTÓNIO PEREIRA Escritora

Os pais de hoje chateiam imenso os filhos. Tanto amor é defeito, dizia a minha avozinha. E é. Nós passamos os nossos dias obcecados com os dias dos miúdos. Não lhes damos descanso. Onde estão, o que fazem, o que estudam, com quem se dão, se estão agasalhado­s, se estão felizes, se têm amigos, o que pensam. E vivemos paranoicos com o futuro deles. Aos 15 anos já deviam saber o que querem da vida. Uma ideia, mais ou menos. Mas não. Os miúdos não tem interesses, meu Deus. Não leem, só gostam de consolas e doYouTube. Acham que wi-fi é gratuito e que o leite nasce do frigorífic­o. Caminhamos para o fim do mundo e eles são os protagonis­tas. É o fim. Não dormimos. Além disso não são autónomos (pudera). Depois, olhamos para os filhos dos outros e ficamos deprimidos. Há sempre os filhos dos outros. Aqueles filhos que os nossos pais nos apontavam como a luz do farol. Aqueles filhos dos outros que estão sempre felizes, que têm um futuro brilhante pela frente, que são bons em tudo e que ainda por cima são excelentes filhos dos outros. Aqueles que há um século (na altura em que tínhamos 15 anos), desejávamo­s secretamen­te empurrar para debaixo de um autocarro. Agora, estamos todos iguais aos nossos queridos pais: “Olha, o filho da não-sei-quantas, faz surf, voluntaria­do e já sabe que quer ir para Gestão. Não anda esparralha­do nos sofás... Desde o 9.º ano que ele sabe o que quer. E tu?”. Pumba. E lá vai uma direita bem enfiada nos queixos da autoestima do nosso adolescent­e. Não, os pais não aprendem: os adolescent­es ambicionam ser uma árvore e não engenheiro­s. Eles querem vegetar até serem horas de irem vegetar com os amigos. Ponto. Tudo o resto, é uma miragem. Um adolescent­e descreve-se numa linha: já não são uma coisa e ainda não são outra – estão em trânsito. E os filhos dos outros, caros pais, não existem e a existirem deviam ser vistos por uma equipa de cientistas da NASA.

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