Avenida 24 de Julho volta a ser trendy
Investimento aposta na área dos escritórios, mas também na residencial. Investidores falam numa zona “interessante”
Avenida inóspita, meio abandonada nos últimos anos, está a transformar-se em zona novamente na moda da cidade – a Avenida 24 de Julho está a “voltar” ao mapa das zonas vivas de Lisboa. E se o primeiro motor foi o lazer, no topo oriental, agora é o setor imobiliário virado para os serviços a apostar forte no eixo da 24 de julho.
O primeiro sinal foi dado pela transferência da sede da EDP do Marquês de Pombal para a 24 de Julho, para um edifício construído de raiz (um projeto do ateliê Aires Mateus). Em pouco tempo mudaram-se para a zona do aterro da Boavista (ver caixa) cerca de 800 pessoas.
Mariana Rosa, que lidera o departamento de Escritórios da consultora JLL, explica que estas são as chamadas “âncoras” que “levam os outros atrás”: “A partir do momento em que uma empresa como a EDP se muda para ali , isso significa que aquela é uma zona com futuro, vem dar imensa visibilidade e notoriedade” ao local.
Nesta altura, pouco mais de um ano depois da inauguração da sede da energética – que custou 57 milhões de euros –, está em preparação a mudança de uma grande sociedade de advogados para a D. Luís (imediatamente nas traseiras da 24 de Julho), pela mão da própria JLL, que não revela o nome da sociedade mas aponta para uma transferência de cerca de 350 pessoas. O The Edge Group (conjunto de holdings de investimentos e capital de risco) tem em curso dois projetos de reabilitação de edifícios de grandes dimensões, ambos virados para o setor dos escritórios. Primeiro, foi o Edifício 24 de Julho, com mais de dez mil metros quadrados, junto às Escadinhas da Praia, um investimento de cerca de 20 milhões de euros. A seguir foi o edifício D. Luís, na rua do Instituto Industrial – outros tantos dez mil metros quadrados e 148 lugares de estacionamento.
Está criado um “ciclo virtuoso” José Luís Pinto Basto, CEO do The Edge Group, sublinha que a recuperação destes edifícios, “a par do surgimento de outros projetos de habitação, comércio, restauração e entretenimento, está a criar um ciclo virtuoso e a transformar o bairro de Santos num dos mais interessantes da cidade de Lisboa”. Fatores como “a proximidade ao rio e ao centro histórico”, assim como as boas acessibilidades e transportes”, tornam interessante o investimento. Conclusão: a zona “tem características ótimas para satisfazer um crescente número de pessoas e empresas que procuram um bom equilíbrio entre o trabalho e o lazer”. Por outras palavras, de Mariana Rosa: “Virou uma zona trendy.”
A 24 de Julho é uma longa avenida, que corre paralelamente à linha férrea de Cascais, com realidades distintas ao longo do percurso. No lado mais oriental, que começa no Cais Sodré, tem como polo de atração o Mercado da Ribeira (e por trás, o bairro de São Paulo, com uma das zonas de divertimento noturno mais frequentadas da cidade), passa pelo bairro de Santos (outro polo de diversão noturna), a zona das Janelas Verdes e a Infante Santo, e vai acabar já em Alcântara. Vai alternando entre zonas de escritórios e áreas mais residenciais e/ou de diversão noturna – com casos mais problemáticos de coabitação entre as duas últimas (como os bairros de São Paulo e de Santos, onde as queixas dos moradores são frequentes). Além da requalificação do espaço público atualmente em curso, que se estende praticamente desde o Cais do Sodré até bem depois do Largo de Santos (as áreas em mais destacada expansão), há dois outros projetos que prometem mudar a vida da avenida, mais a ocidente. No âmbito do Plano de Reabilitação Urbana das Janelas Verdes, está atualmente em fase de estudo a expansão do Museu Nacional de Arte Antiga precisamente na direção da 24 de Julho. Já no final da avenida, em Alcântara, vai nascer o novo hospital da CUF, com abertura prevista para 2018.
Alojamento local em crescendo O imobiliário virado para os escritórios não é o único perfil de negócio em expansão no entorno da 24 de Julho. Mariana Rosa diz que esta é uma zona com “imenso potencial” para habitação – leia-se aluguer de curta duração: “Quem comprar para rentabilizar, para short rental, são imóveis seguros, Em 2015, a EDP mudou a sede do Marquês de Pombal para a 24 de Julho (foto em cima), transformando-se num polo de atração para aquela zona. Edifício 24 de Julho (foto de baixo), mais virado para escritórios, marcará a paisagem junto à zona do Kremlin que dão rentabilidade.” Nesta altura está em comercialização o 8 Building, projeto sediado no antigo edifício dos CTT (na Praça D. Luís), que foi transformado e deu lugar a um projeto habitacional com 104 apartamentos e 16 lojas.
Logo ali ao lado, o Mercado da Ribeira, renovado em 2014 num projeto da revista Time Out, trouxe um novo horizonte à oferta de serviços
ao lado mais oriental da avenida. “A nível de serviços a zona melhorou imenso”, diz Mariana Rosa, acrescentando não saber, no entanto, se a 24 de Julho e arredores estão preparados para o que aí vem.
Catarina Mendonça Ferreira, responsável pela curadoria e comunicação do Time Out Market, diz ao DN que foi visível no movimento comercial da zona – a começar pelo próprio Mercado da Ribeira – a chegada dos funcionários da EDP, particularmente à hora de almoço. “A zona tem mudado muito”, diz ao DN, sublinhando que agora há uma permanente circulação de pessoas. Até no mercado tradicional já se notam diferenças, com muitos turistas que já não se limitam a tirar fotografias, vão mesmo às compras – estão alojados na zona.
Um estaleiro na via pública O crescimento do alojamento local é uma tendência que a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, vê com reticências. “Gostava que fosse uma zona tendencialmente residencial, mas preocupa-me que as reabilitações que estão a ser feitas sejam só para alojamento local”, diz ao DN. Isto numa freguesia que, incorporando os bairros da Bica e do Bairro Alto, já sofre uma enorme pressão do turismo residencial de curta duração: “É muito evidente em toda a freguesia.”
Se as obras se vão somando no edificado da 24 de Julho e adjacentes, a via pública é, por estes dias, um verdadeiro estaleiro. Os passeios estão a ganhar espaço à estrada (que vai perder faixas de rodagem) e Carla Madeira espera que a nova configuração dos espaços públicos possa mudar a vivência do local. A 24 de Julho tal como está hoje “não é um espaço agradável para as famílias, não é propriamente uma área onde as pessoas se desloquem para passear. O que espero é que os moradores da Misericórdia desçam um bocadinho à parte debaixo da freguesia” diz a autarca.
Mais à frente, a 24 de Julho entra na Estrela (dois terços da avenida pertencem a esta freguesia) e Luís Newton, presidente da junta, também tem expectativas quanto a esta requalificação – no caso que ajude a resolver o problema no Largo de Santos, onde milhares de jovens se juntam à noite, não nos bares, mas na rua, numa “ocupação desordenada do espaço público”, com altos níveis de ruído (e precisamente por isto, o jardim existente no local vai passar a ser fechado). Para o autarca, o objetivo é que a 24 de Julho deixe de ser vista como um “espaço terminal” da cidade, mas “mais como um espaço envolvente”.