Diário de Notícias

“Dos líderes históricos, o mais próximo de Trump é Mussolini”

Conhecido pelos seus livros de grande sucesso e também pelas tomadas de posição conservado­ras, Andrew Roberts esteve em Portugal para o Festival Internacio­nal de Cultura em Cascais e falou sobre a qualidade dos líderes, de Napoleão a Trump, passando por

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA ENTREVISTA: ANDREW ROBERTS Historiado­r britânico

Um dos seus livros mais recentes é sobre a Segunda Guerra Mundial. O resultado final do conflito decorreu da qualidade dos líderes? Churchill e Roosevelt eram melhores chefes do que Hitler e Mussolini? Sim, eram melhores líderes. Mas não tem tanto que ver com o carisma ou a qualidade da personalid­ade mas antes com as decisões. Hitler tomou decisões monumental­mente más. A primeira a de invadir a Rússia, a segunda a de entrar em guerra com a América. Foram erros que se ele vivesse numa democracia, como Churchill ou Roosevelt, não lhe teriam permitido cometer. Churchill e Roosevelt ouviam as equipas e, até certo ponto, os colegas políticos, eram circunspec­tos em relação ao que podiam fazer. Enquanto no caso de Hitler e Mussolini as decisões eram decisões de um homem só. E se a decisão estivesse errada não havia ninguém para dizer? Precisamen­te. A maioria dos italianos achavam, em junho de 1940, que era um erro a Itália declarar guerra ao Reino Unido e à França. No entanto, não houve uma revolta popular contra, não houve protestos contra o Grande Conselho Fascista. Foi um problema também nos nazis. Eram incapazes de apresentar uma oposição às decisões erradas tomadas pelo seu líder. Qual a sua opinião sobre Estaline? Estaline é fascinante. Ele começou a gerir a guerra como se espera de um ditador totalitári­o paranoico. A controlar a sua arena política. Mas à medida que a guerra avançava e que ele sofria uma depressão mental na altura da Operação Barbarossa, quando se percebeu que não ia ser derrubado pela Stavka, pelo resto do Politburo, e que os chefes militares foram à sua datcha pedir-lhe para assumir o comando, ele passou a gerir a guerra de uma forma muito menos hitleriana ou mussolinia­na. Passou a ouvir os seus marechais. E ouvia também pessoas no Politburo. Ele começou a guerra como se esperaria de um ditador totalitári­o mas evoluiu, sendo capaz de interagir com as outras pessoas e de ouvir conselhos. Sobre Roosevelt e Churchill, disse que foi o sistema democrátic­o que permitiu que tomassem as decisões corretas. Mas diz também que Estaline conseguiu fazer o mesmo ouvindo críticos... Porque ele viu que a forma como os ditadores tomavam decisões não estava a correr bem para os alemães e para os italianos. Sobretudo para os italianos. E acreditava que Hitler tinha cometido um erro terrível ao invadir a Rússia. Mas à medida que a guerra avançava, ele percebeu que a melhor maneira de tomar decisões, de cometer o menor número de erros, é ter uma forma de tomada de decisão interativa. O exemplo clássico dessa maneira de tomar decisões é quando o general Marshall, o comandante do exército dos EUA, e o general Alan Brook, comandante máximo britânico, conseguira­m dizer a verdade aos seus líderes políticos. Estaline, que antes da guerra tinha eliminado cerca de um terço dos oficiais russos, tinha-os matado ou feito prisioneir­os, durante a guerra conseguiu ouvir os bons conselhos. Quando a guerra acabou, ele voltou ao que era antes. Outro livro seu é sobre Napoleão. É possível ser britânico e ver em Napoleão um grande homem? Eu fui o primeiro a fazer isto. Pelo menos a primeira pessoa nos últimos 50 anos a apresentar Napoleão como um grande homem. Os britânicos, em quase todas as críticas ao livro, ainda dizem que está bem escrito e investigad­o, mas dizem também que Napoleão era Saddam ou Kadhafi ou Hitler. Não admitem nem por um instante que Napoleão tenha sido o iluminismo montado num cavalo. São sobretudo os países que Napoleão invadiu – os exemplos clássicos são a Rússia e Portugal ou Espanha – onde ele hoje é visto de forma mais positiva. Quando olha para Napoleão vê algum líder europeu atual? Não. E nem faz falta. Até porque em tempos de paz não é preciso termos gigantes. Se se for primeiro-ministro do Liechtenst­ein em tempos de paz não se pode ser um grande líder como Napoleão ou Churchill. É preciso um tipo diferente de líderes. Muitas vezes também é preciso uma constituiç­ão que permita a manutenção de líderes em casos extremos. No Reino Unido tivemos muitas guerras, a Primeira Guerra Mundial, a Segunda, a Guerra da Crimeia. E em cada uma delas houve várias pessoas a assumir o poder durante a guerra devido a crises constituci­onais. E surgia um novo primeiro-ministro. Fala-se muito da falta de liderança na Europa. Mas ao mesmo tempo criticamos Angela Merkel, que é a líder mais forte na Europa. O que acha da chanceler alemã? Acho que ela é uma ótima líder para a Alemanha. Mas o problema é que ela tem também de liderar a Europa. Mais ainda agora com o brexit. Ela é claramente a líder mais forte. A questão que coloco é se ela é a líder certa para a Europa. Para o resto da Europa, no pós-brexit. Porque o que os alemães precisam não é sempre o mesmo – e nem preciso de explicar isto a um português! – do que precisa o resto da Europa. Esta é uma das questões que nós no Reino Unido tivemos muito em conta a 23 de junho, no referendo. Esta ideia de que um só lado pode representa­r toda a Europa não funciona com os pequenos países. Claramente não funcionou para Portugal, para a Grécia. Ter uma só taxa de câmbio e uma só taxa de juros não é bom para todos. Mesmo não estando no euro nós achamos que é um problema tal para a Europa que decidimos sair. Ficou surpreendi­do com esta crise de liderança no Reino Unido pós-referendo? Boris Johnson era o líder óbvio para o novo período, mas de repente foi Theresa May. Não acho que Boris Johnson fosse o líder óbvio. Para mim o nosso ministro das Finanças, Michael Gove, era o óbvio. Mas tornou-se claro que Michael e Boris não conseguiam trabalhar juntos. E Boris acabou por desistir da corrida à liderança dos conservado­res quando Michael não o apoiou para suceder a David Cameron. Por isso foi um momento muito interessan­te em que parecia haver um vazio de poder. Mas a senhora May apareceu. E conseguiu vencer sem sequer ser necessária uma eleição. Não estou a falar de eleições gerais, mas houve apenas duas rondas para eleição do líder. Faz parte do ADN do Partido Conservado­r ser capaz de agir de forma correta numa crise. Tivemos um primeiro-ministro numa questão de dias. Então Theresa May não é uma primeira-ministra a prazo? Não está a prazo. Uma vez que temos um líder marxista-leninista à frente dos trabalhist­as, no caso Jeremy Corbyn, que apesar de ser muito popular no seu partido não é considerad­o um candidato sério a primeiro-ministro. Por isso a senhora May, quando decidir convocar eleições vai ter uma vitória esmagadora. Isso deixá-la-ia inatacável nos próximos oito anos. Vê o brexit como passo normal em termos de história britânica? Diria que é um passo anormal em termos de tudo exceto de história britânica. Diria que a particular­idade da história britânica é afastar-se das associaçõe­s continenta­is e apenas aderir quando há uma crise. Os últimos 43 anos não foram felizes, nem para a Europa nem para o Reino Unido. Na nossa relação uns com os outros. Não funcionou bem durante muito tempo. O mais surpreende­nte é que tenhamos ficado na UE durante tanto tempo. Acredita numa aliança anglo-saxónica entre Reino Unido, EUA e Commonweal­th, como alternativ­a à União Europeia? Muito. Chama-se Canzuk, de Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido. Há um site chamado Canzuk.co.uk que junta pessoas convencida­s de que deve haver uma união confederal deste países. Não com a América, pelo menos para já. Qual a sua opinião sobre a hipótese Donald Trump na Casa Branca em termos de relações entre os EUA e o Reino Unido?

Quando olho para os líderes na história, o mais próximo que vejo de Trump é Mussolini. Não só no aspeto ou na forma como fala, nos gestos, mas também na impossibil­idade de o amarrar, o seu desejo de se contradize­r. A forma como brinca com as certezas e faz declaraçõe­s inacreditá­veis sem se tornar impopular por causa disso. Mas ele não seria mau para a chamada “relação especial” com o Reino Unido. Nem Hillary Clinton seria. Ambos apoiariam a relação especial. Mas Trump seria terrível para a NATO. E a NATO é muito mais importante do que a relação especial para a paz no mundo e para a paz na Europa. Em termos de ideologia como classifica Trump? Como Mussolini, ele vai buscar pedaços de ideologia que lhe convém naquele momento. E essa incapacida­de de o derrubar é um dos problemas de Hillary e do resto de nós. E já agora não acho que ela seja uma boa presidente também. Mas com Trump corremos o risco de ele tornar a Rússia grande outra vez (e não a América como diz o slogan de campanha) e isso não é bom para a aliança ocidental.

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 ??  ?? Andrew Roberts tem 53 anos e é professor no King’s College de Londres. Grande admirador de Margaret Thatcher, destacou-se como apoiante da invasão do Iraque em 2003 e nos últimos tempos como defensor da rutura do Reino Unido com a União Europeia....
Andrew Roberts tem 53 anos e é professor no King’s College de Londres. Grande admirador de Margaret Thatcher, destacou-se como apoiante da invasão do Iraque em 2003 e nos últimos tempos como defensor da rutura do Reino Unido com a União Europeia....

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