Diário de Notícias

GOVERNO APOIA VINDA DE ALDEIA IRAQUIANA PARA PORTUGAL

A eurodeputa­da Ana Gomes tem o plano organizado há seis meses, mas o governo grego ainda não desbloqueo­u o processo alegando discrimina­ção

- VALENTINA MARCELINO

O governo português está a apoiar a iniciativa da eurodeputa­da socialista Ana Gomes de asilar no nosso país cerca de meio milhar de refugiados yazidis, perseguido­s pelo Daesh no Iraque, e que estão em campos de refugiados na Grécia. São 470, a maior parte famílias, mulheres e crianças. Há mais de seis meses que a eurodeputa­da tem o plano concluído sem que, até ao momento, o governo de Alexis Tsipras tenha desbloquea­do o processo. “Kafkiano”, critica Ana Gomes.

O gabinete do ministro adjunto Eduardo Cabrita, que tem estado a coordenar o acolhiment­o dos refugiados, confirmou ao DN que “este foi um dos temas abordados numa reunião em setembro, em Lisboa, com o ministro adjunto da Defesa Nacional grego Dimitrios Vitsas”, em que participar­am, além de Eduardo Cabrita, a ministra da Administra­ção Interna, Constança Urbano de Sousa.

Fonte oficial deste gabinete admite até, para manter a coesão do grupo, abrir uma exceção à regra que tem sido seguida no acolhiment­o de refugiados que já estão em Portugal, que é dispersá-los por vários pontos do país e evitar a guetização, que pode dificultar a sua integração e torná-los alvos mais fáceis de organizaçõ­es criminosas, incluindo as terrorista­s. Os 493 refugiados, a maioria muçulmanos da Síria, do Iraque e da Eritreia, que já estão em Portugal, foram distribuíd­os por 70 municípios. “O grupo de yazidis tem revelado grande coesão, responsabi­lidade e sentido de solidaried­ade comunitári­a. Apesar de o paradigma de acolhiment­o português ser descentral­izado, procurar-se-á, na medida do possível, respeitar as especifici­dades e o forte sentido comunitári­o deste grupo”, sublinha a porta-voz de Eduardo Cabrita. A região do Alentejo, pela sua ligação à agricultur­a, atividade a que os aldeães yazidis mais se dedicam, é uma das opções em cima da mesa.

Constança Urbano de Sousa também não tem reservas. Porém, lembra que os yazidis “terão de proceder ao pré-registo na Grécia e indicar Portugal como primeira opção de acolhiment­o, o que nem sempre ocorre”. Fonte oficial do seu gabinete diz que entretanto “já recebeu processos de yazidis elegíveis para a recolocaçã­o” no nosso país. Atrocidade­s Os yazidis são das comunidade­s mais massacrada­s pelos terrorista­s do autoprocla­mado Estado Islâmico (ver entrevista ao lado). A eurodeputa­da socialista Ana Gomes ouviu de viva voz os dramáticos relatos das atrocidade­s cometidas e decidiu passar à ação. Foi ao terreno, a Indomeni e a Tessalónic­a, onde se encontram, falou com os seus líderes e estes falaram com dezenas de famílias que aceitaram vir para Portugal. “A sua preferênci­a era a Alemanha, onde há uma grande comunidade, mas como para aí não era possível concordara­m em vir para Portugal em vez de continuare­m nos campos”, reconhece a eurodeputa­da. Por isso, Ana Gomes não se conforma com “os entraves burocrátic­os” do governo grego. Numa carta enviada neste mês a Ana Gomes, o ministro do Interior grego, Ioannis Mouzalas, alega que, de acordo com as regras europeias para a recolocaçã­o, estão proibidos critérios “discrimina­tórios” na seleção dos refugiados – não se pode escolher segundo etnias ou religiões – e que as prioridade­s são as situações de maior vulnerabil­idade.

“Mas querem maior vulnerabil­idade do que a dos yazidis, que tanto já sofreram nas mãos do Daesh?”, indigna-se Ana Gomes. Contra-argumentou numa carta de resposta, assinada também pelo presidente da Comissão das Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu, Claude Moraes, do Reino Unido. “Todo este processo tem sido kafkiano. Desde exigirem um pré-registo de todos os que queriam vir, que fizemos, depois quererem um registo com entrevista­s via Skype, quando todos sabem que nos campos de refugiados a rede de internet é muito complicada”, conta.

A Grécia tem cerca de 60 mil refugiados dentro das suas fronteiras. “Não se percebe porque não aceitam a nossa ajuda. Têm de começar a recolocá-los nalgum lado”, assinala.

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Os yazidis são das comunidade­s mais massacrada­s pelos terrorista­s do autoprocla­mado Estado Islâmico. A maioria destes refugiados encontra-se nos campos de acolhiment­o na Grécia

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