Diário de Notícias

Donos da Cova da Moura há 40 anos sem indemnizaç­ão

Ao fim de quase 40 anos à espera de uma compensaçã­o do Estado pela ocupação ilegal dos seus terrenos, os proprietár­ios da Cova da Moura, na Amadora, vão exigir indemnizaç­ão

- VALENTINA MARCELINO

A família Canas é proprietár­ia há várias gerações do terreno onde foi ilegalment­e construído o bairro da Cova da Moura, na Amadora. A área urbanizáve­l dos 16 hectares às portas de Lisboa está hoje avaliada em perto de cem milhões de euros, mas, além de esperar há anos por uma compensaçã­o por parte do Estado, a família tem de pagar todos os anos três mil euros de IMI pelo terreno que foi ocupado.

Na década de 1970, a família viu os terrenos, que eram uma exploração agrícola, serem ocupados por milhares de pessoas desesperad­as, provenient­es das ex-colónias. Depois assistiu à construção ilegal de barracas e a seguir de casas, observou a câmara municipal, a desenvolve­r algumas obras de saneamento e a cobrar IMI e água aos residentes, à EDP, e as operadoras de comunicaçõ­es a fazerem contratos sem lhe terem pedido nenhuma autorizaçã­o. Nos últimos anos tem ouvido responsáve­is políticos a prometer-lhe uma solução que o possa compensar da perda irreversív­el do seu património.

O caso dura há 40 anos e nada foi resolvido. “A nossa paciência esgotou-se. E se até ao final do ano não resolverem a situação, avançamos em várias frentes com processos em tribunal contra o Estado, a câmara e todas as empresas privadas que têm feito negócio à nossa revelia. A Cova da Moura tem dono e todos lucram à nossa conta”, garante Pedro Canas, filho de uma e representa­nte das duas atuais proprietár­ias, a sua mãe, com 80 anos, e a sua tia, com 82.

Pedro Canas não esconde o seu desapontam­ento quando conta a história deste processo “inadmissív­el”. A ocupação deu-se “numa altura politicame­nte complicada, durante o PREC, e achámos melhor esperar”, lembra. Em 1983 apresentar­am ao município um projeto de urbanizaçã­o que foi chumbado “sob o argumento de que não tinham alternativ­a para os milhares de pessoas que lá viviam”.

Segundo descreve, foram “sempre tentando resolver tudo a bem, compreende­ndo a dificuldad­e de encontrar uma alternativ­a de residência para aqueles milhares de pessoas. Aceitámos prescindir do terreno e negociar uma compensaçã­o, depois até concordámo­s com uma permuta, que até podia ser com terrenos fora de Lisboa, tendo em conta que a família está ligada ao setor agrícola. Foram reuniões e mais reuniões, promessas de presidente­s de câmara e de governos, sem resultado”.

Quando conversámo­s, nesta semana, Pedro Canas mostrou uma tímida “esperança” de que se podia estar perto de uma solução, pois as reuniões no gabinete do ministro indicado para este dossiê, José Pedro de Matos Fernandes, que tem a pasta do Ambiente e do Ordenament­o do Território, estavam a correr “muito bem”.

Contudo, questionad­o pelo DN, o porta-voz oficial do governante respondeu que “o processo relativo às reivindica­ções da família proprietár­ia dos terrenos do bairro da Cova da Moura não está a ser tratado no Ministério do Ambiente, já que é um assunto da esfera de decisão da Câmara Municipal da Amadora”. Contactado o município, a presidente, eleita pelo PS, Carla Tavares, foi também perentória: “O governo não falou comigo. A câmara não tem capacidade para resolver sozinha essa situação. Nem sequer temos terrenos para permutar”, declarou. Reconhece a “legitimida­de dos proprietár­ios para reivindica­r uma compensaçã­o”, mas “também para cuidar que os seus terrenos não tivessem sido ocupados há 40 anos”.

Pedro Canas mostra-se “perplexos e chocado com a circunstân­cia de o poder político provar que não tem vontade para resolver o problema. A verdade é que empurram a solução de um para o outro, mesmo quando quem não tem obrigação de o fazer – como é o caso dos proprietár­ios – por várias vezes já tentou um acordo e já apresentou soluções concretas passíveis de desbloquea­r o problema. O Estado não quer resolver. Ponto”.

A família Canas Vigouroux já escreveu uma carta ao Presidente da República, na qual apela à sua intervençã­o. Lamentam que governo e município da Amadora “não cheguem a nenhum entendimen­to” e que os proprietár­ios se vejam “impossibil­itados de exercer na plenitude o seu direito de propriedad­e, constituci­onalmente consagrado, com todas as consequênc­ias inerentes”.

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Pedro Canas, junto ao bairro da Cova da Moura, propriedad­e da sua família há várias gerações
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