Diário de Notícias

Os anos 1980, do Vitinho às noites loucas de Lisboa

Depois de abordar os anos 1960 e 1970, Joana Stichini Vilela publica Lx80 – Lisboa Entra Numa Nova Era, onde recorda como era a vida na capital naquela década, marcada pelo consumismo e pelas noites efervescen­tes no Bairro Alto

- MARIA JOÃO CAETANO

Em 1980, o salário mínimo em Portugal era de 7500 escudos. Um gelado Perna-de-Pau custava 12,50 escudos. Nesse ano, foram celebrados 72 164 casamentos e José Cid ganhou o festival RTP da canção com Um Grande, Grande Amor. Dos mais sete milhões de eleitores registados, quase 85% votaram nas legislativ­as que deram a vitória à AD.

1980 foi também o ano em que nasceu Joana StichiniVi­lela, em Lisboa. A mais nova de cinco irmãos havia de se tornar jornalista. Neste momento a trabalhar como freelancer, apresenta, com Pedro Rolo Duarte, o programa Central Parque, na RTP. E é autora de uma coleção de livros que recordam a vida na capital portuguesa nas últimas décadas: depois de Lx60 e de Lx70, estará à venda amanhã o terceiro (e último, diz ela) volume, Lx80.

Quando começou a trabalhar no primeiro, Joana tinha uma ideia muito clara de trazer para os livros aqueles factos da história que geralmente ficam esquecidos dos livros de História com “H” grande. “Os grandes acontecime­ntos políticos estão muito bem tratados, mas faltavam aquelas pequenas coisas do quotidiano das pessoas. A ideia era mesmo fazer um mergulho numa época, uma viagem no tempo.” Como era a vida das pessoas? Do que é que se falava? Que músicas ouviam? Depois do livro dos anos 1960, pareceu-lhe óbvio continuar com a década seguinte e “naturalmen­te” chegou aos anos 1980. “Fazia sentido juntar estas três décadas, são muito diferentes mas juntas fazem um bloco”, explica. De todas há ainda memórias vivas, e isso faz que exista uma certa “mística” em redor de cada uma delas. “As pessoas recordam sempre os anos da sua juventude como muito especiais, mesmo que tenham sido anos difíceis”, conta Joana Stichini Vilela.

Também por isso, era importante retratar os anos 1980, aqueles em que Joana e Pedro Fernandes, o designer gráfico que a acompanha nesta aventura, cresceram. “Era muito pequena, mas lembro-me perfeitame­nte das eleições presidenci­ais, da segunda volta com Freitas do Amaral e Mário Soares.” Foi o duelo entre o “Soares é fixe!” e o “Prà frente Portugal”. Uma luta renhida em que a esquerda foi obrigada a “engolir um sapo”.

Joana era uma criança e por isso é normal que as suas memórias mais marcantes desta época sejam coisas como a canção do Vitinho que, a partir de 1987, vinha anunciar que “está na hora da caminha”. Os miúdos, recorda em Lx80 José Maria Pimentel , o criativo publicitár­io que criou a personagem para a marca de papas Miluvit, “sabiam a música toda, ficavam histéricos com o momento em que ele se despe e desce de paraquedas”. Sim, quem ouviu a música na infância ainda hoje sabe a letra, confirma Joana Stichini Vilela.

Também recorda muito bem a Lambada, que foi o ritmo que veio do Brasil e marcou o verão de 1989, o lima-limão (um brinquedo que se enfiava na canela e pôs toda as crianças aos saltos) e as idas com a família ao centro comercial das Amoreiras, inaugurado em 1985. “Lembro-me de adorar andar nas escadas rolantes.”

Se os anos 1960 foram a década da ideologia (e de sonhar com um país diferente) e os anos 1970 foram marcados pela revolução de Abril (a política estava em todo o lado), esta década de 1980 é aquela em que “as pessoas querem uma normalidad­e”, procura-se recuperar o atraso perdido. “À medida que se avança na década percebe-se como não havia nada e há essa urgência de trazer tudo para cá, é uma rampa ascendente”, diz a autora. É uma década marcada pela abertura ao mundo – a entrada na CEE em 1985 foi um momento decisivo – e pelo dinheiro: a bolsa, o consumo, os excessos. “Sente-se uma grande urgência. Há uma efervescên­cia, aquela sensação de que tudo é possível.”

Não foi só a “salsa das Amoreiras”. Foi nesta década que surgiram as caixas multibanco, que mudaram radicalmen­te a relação que temos com o dinheiro. E que se começou a jogar no Totoloto. O primeiro hipermerca­do Continente abriu em 1987. Foi o tempo de ouvir António Sérgio na Rádio Comercial, das rádios piratas e do jornal O Independen­te. Da primeira telenovela portuguesa, a Vila Faia. Das Manobras de Maio e do Rock Rendez-Vous. De ouvirmos António Variações cantar Estou Além e de beber Pisang Ambon.

Claro que também havia coisas menos boas. Nesta Lisboa dos anos 1980 havia prédios em ruínas e Joana guarda até hoje na memória aquele dia de verão em que ficou pregada à televisão a ver o Chiado a arder. Havia heroína a circular pela cidade e uma doença que começou a aparecer nas notícias, a sida. Houve uma bebé raptado no hospital, poucas horas depois de nascer. “Muitos anos depois ainda se falava deste caso. Havia medo que mais bebés fossem raptados.”

Cada história é contada de uma maneira diferente (pode ser uma BD, um jogo, uma entrevista, uma notícia, etc.) e com uma estética diferente. No final do livro que é também o final da década, em 1989, aparece “a campanha mais louca do mundo”: a de Marcelo Rebelo de Sousa à Câmara de Lisboa, com o candidato a banhar-se no Tejo e a conduzir um táxi. Perdeu as eleições. Ninguém podia imaginar ainda o que iria acontecer em 2016.

 ??  ?? Foi em dezembro de 1981 que António Variações foi cantar no programa Passeio dos Alegres, na RTP. Morreu em 1984
Foi em dezembro de 1981 que António Variações foi cantar no programa Passeio dos Alegres, na RTP. Morreu em 1984
 ??  ?? A jornalista Joana Stichini Vilela era uma criança na
década de 1980
A jornalista Joana Stichini Vilela era uma criança na década de 1980
 ??  ?? LX80 – Lisboa Entra Numa Nova Era Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes Editora Dom Quixote PVP: 22,41 euros
LX80 – Lisboa Entra Numa Nova Era Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes Editora Dom Quixote PVP: 22,41 euros

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal