A preto e branco
Nenhuma discussão deve ser feita na base de que a razão está toda de um lado ou de outro, e isso é muito notório quando falamos sobre os salários da administração da Caixa Geral de Depósitos. Vem isto a propósito de me ter visto a mim próprio entrar nessa discussão, só vendo branco onde outros só viam preto. Exemplo: Catarina Martins a defender no Parlamento que é “simplesmente inaceitável” a existência de “salários milionários” ou eu a defender que “faz pouco sentido perder tanto tempo a discutir o salário de António Domingues” vai dar exatamente ao mesmo, a uma discussão a preto e branco em que ninguém fica esclarecido.
Felizmente, no meio destas discussões em que muitos se põem de um lado da trincheira e muitos do lado contrário, há também muita gente que não alinha em claques e procura um debate moderado, sendo capaz de argumentar com as virtudes e os defeitos da solução encontrada. Está neste grupo, nesta discussão, o Presidente da República. E o que nos disse Marcelo, que vale a pena reter para discussões futuras sobre tema idêntico? Disse-nos, há mais de três meses, quando promulgou o decreto-lei, que “vencimentos mais elevados implicam acrescida responsabilidade pelos resultados”, e insistiu no assunto a semana passada, reiterando que o vencimento a pagar aos administradores “devia atender ao resultado da gestão, para não ficar a sensação de que havia valores muito elevados não acompanhados de resultados positivos”.
Importa, e muito, focarmo-nos neste ponto de Marcelo, porque é ele que pode dar ou tirar razão a quem defende este tipo de ordenados ou a quem frontalmente se opõe. Se o governo tivesse atendido às razões do Presidente, já a discussão seria mais serena. O ordenado mensal poderia ter sido fixado num ponto mais razoável e o valor anual poderia até ser maior do que está previsto ser. Bastava ter marcado claramente os objetivos e os prémios a distribuir por objetivos concretizados. Se os salários que muitos, como eu, defendem que devem ser pagos também num banco público não tiverem resultados espetaculares, não é só a administração da Caixa Geral de Depósitos que fica em causa, é também o poder político que não defendeu convenientemente o dinheiro dos contribuintes.