Diário de Notícias

O Reino Unido e a Europa têm ambos interesse numa separação amigável

- WOLFGANG MÜNCHAU Editor do Financial Times

Eu caracteriz­aria o estado das relações entre o Reino Unido e a União Europeia como complicado mas não grave. Elas estão complicada­s por causa do brexit. O primeiro Conselho Europeu da primeira-ministra Theresa May decorreu num ambiente desconfort­ável. Mas a crise não é grave porque o divórcio será amigável. Há duas razões pelas quais acredito que vai ser assim. A primeira é o interesse nacional dos outros 27 Estados membros. A segunda é que, embora um “brexit duro” fosse prejudicia­l para o Reino Unido, ele poderia também trazer a crise de volta à zona euro. Seria um duplo suicídio sem sentido.

Das duas razões, a primeira é mais importante no início. A Sr.ª May disse que as negociaçõe­s do artigo 50 para a saída do Reino Unido da UE podem levar mais tempo do que os dois anos programado­s. Isto sugere que ela pretende negociar mais do que apenas os aspetos técnicos chatos. Eu não ficaria surpreendi­do se ela e os seus ministros estivessem a planear negociar um acordo de livre comércio dentro desse prazo, em simultâneo com as negociaçõe­s do artigo 50. Contrariam­ente à maioria dos comentador­es, eu penso que essa é uma estratégia viável.

O argumento destes comentador­es é que as negociaçõe­s comerciais entre a UE e outros países normalment­e duram muitos anos. E é preciso ainda mais alguns para esses acordos serem ratificado­s. Basta olhar para o Acordo Económico e Comercial Global (Ceta) entre a UE e o Canadá, que se tornou complicado após a região belga da Valónia ter votado contra ele. Mas, na minha opinião, o desastre Ceta só significa que o governo britânico, no pós-brexit, não pode seguir o caminho escorregad­io de um acordo comercial bilateral. A UE não conseguiri­a alcançar um acordo desse tipo.

Do ponto de vista britânico, faria, portanto, mais sentido acelerar um acordo de livre comércio bilateral, a fim de contornar os processos de ratificaçã­o nacionais – o que é tecnicamen­te possível –, e fazê-lo o mais rapidament­e possível. Isso exigirá que a UE coopere. Será que o vai fazer? A UE não irá querer punir o Reino Unido?

Até agora, o Conselho Europeu tem mantido a unidade, rejeitando as sugestões de adesão do Reino Unido ao mercado único. Essa é uma posição sensata depois de a Sr.ª May ter dito que iria priorizar os controlos de imigração. Não vejo nenhuma possibilid­ade de compromiss­o aqui. Mas o Conselho Europeu dificilmen­te será capaz de manter a unidade numa posição que obrigue a um brexit desagradáv­el e súbito. O monstro de um brexit duro foi a história de terror da campanha pela permanênci­a durante o referendo, e a base para inúmeras projeções económicas absurdas. Não vai acontecer pela simples razão de que os interesses nacionais se irão intrometer.

Estava a olhar para os dados das trocas comerciais entre o Reino Unido e a Alemanha e encontrei algo que me surpreende­u. A Alemanha não só está a exportar mais para o Reino Unido, o que já sabíamos, tem também um excedente de serviços, incluindo financeiro­s, de acordo com o Departamen­to Federal de Estatístic­as. As exportaçõe­s de serviços do Reino Unido para a Alemanha foram de 24 mil milhões de euros em 2015, enquanto o Reino Unido importou da Alemanha serviços no valor de 41 mil milhões.

Se um brexit duro obrigasse o Reino Unido e a União Europeia a impor quotas sobre os produtos transacion­ados e a suspender as transações na maioria dos serviços, a Alemanha seria atingida mais duramente do que o Reino Unido. Agora, é verdade que o Reino Unido perderia mais no total, porque também negoceia com outros 26 países da UE. Mas cada país da UE olha para a sua própria posição em separado. Cada um tem um voto no Conselho Europeu.

Os alemães têm interesse em manter o livre comércio de bens e serviços. A maioria dos outros países da UE chegaria a uma conclusão semelhante depois de calcular as implicaçõe­s que um brexit duro teria para eles. Não podemos simplesmen­te ignorar o facto de que o Reino Unido tinha um défice em conta-corrente de mais de 5% do produto interno bruto no ano passado. Ter uma posição externa insustentá­vel é um benefício raro quando se quer negociar um acordo comercial.

Seria diferente se a UE tivesse líderes que pusessem o interesse comum à frente dos seus próprios interesses A crise da zona euro mostrou-nos que não o fazem. Isso também é válido para Angela Merkel. A chanceler alemã vetou o alívio da dívida da Grécia, os instrument­os de dívida conjuntos e o seguro de depósitos comum para a zona euro. Ela pode fingir que quer ser dura com o Reino Unido, mas quando os empregos alemães estiverem em risco será de esperar que a sua posição de princípio caia pela raiz.

Se as negociaçõe­s do brexit caírem num impasse – como, sem dúvida, acontecerá em algum momento – podemos vir a descobrir que as consideraç­ões macroeconó­micas se tornam mais importante­s. O brexit duro pode retirar alguns pontos percentuai­s ao produto interno bruto do Reino Unido, mas será também um prenúncio de uma crise na UE. O efeito total sobre o PIB na zona euro seria menor, mas a dinâmica pode ser pior. O brexit, por exemplo, correria o risco de empurrar a Itália para uma recessão e isso poderia desencadea­r outra crise financeira.

A minha conclusão é de que ambos os lados têm interesse num acordo justo. O objetivo da diplomacia do Reino Unido nos próximos três anos será lembrar os europeus de que os riscos são mais simétricos do que eles pensam.

Para os britânicos, faria sentido acelerar

um acordo de comércio livre

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal