Diário de Notícias

Abrandar para ver o Piloto de todo o dia

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Ah, esse grande jornal que é o pedaço de asfalto por onde vamos, abrandamos o carro e pomos a cabeça de fora! O nosso carro é a cadeira do café; o jornal é aquilo que se abre à nossa curiosidad­e: muita chapa batida e um corpo já com lençol por cima. Se tivermos sorte, talvez possamos ver um braço com sangue. “Viste o raio da posição do braço?”, dizemos ao pendura, que também se esticou todo para espreitar. Depois, deixamos de abrandar, não dá para parar, já apitam atrás e também já tivemos a nossa dose. O Piloto éa dose perfeita, pois com acidentes de estrada não nos cruzamos todos os dias, não chegam para a nossa curiosidad­e. O Piloto temos. Jornal pela manhã, telejornai­s ao longo do dia. As doses são múltiplas mas a pílula é única e anódina: é o vazio do dizer. Só não o sabe aquele que diz, mas diz muito. Porta arrombada... Caça ao homem... Ameaçou... Usam-se palavras como punhos para tentar esconder a mão cheia de nada. O jornalismo é de moribundo e serve leitores doentes. Aquele fornece placebo a estes, para todos terem ilusão de que leem livros de aventuras. Os casos mais graves são dos que acreditam que vivem mesmo uma aventura, mas esses geralmente são os jornalista­s no terreno. Ali mesmo, aponta um, naquele tanque, ele foi visto... No dia em que na berma do pinhal aparecerem jornalista­s com aqueles coletes de seis bolsos da Guerra do Golfo, a GNR já tem a quem deitar a mão. Não para prender mas para internar.

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Jornalista FERREIRA FERNANDES

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