Diário de Notícias

Cercados pelo silêncio

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Ofracasso parcial da missão da Agência Espacial Europeia (ESA) a Marte, que se traduziu na destruição da sonda Schiaparel­li (em homenagem ao astrónomo italiano que no século XIX popularizo­u a ideia, mais imaginária do que real, dos “canais” de Marte), não pode deixar de colocar o problema do que é razoável esperar da exploração espacial. Apesar de todos os desastres e catástrofe­s tecnocient­íficas das últimas décadas, a visão pueril da tecnologia como magia profana continua a inundar a psicologia coletiva. Há empresas posicionad­as, pelo menos publicitar­iamente, para viagens turísticas à Lua, e até a Marte! A verdade é que desde a conclusão do Programa Apollo, com a nave espacial tripulada Apollo 17, em 1972, nunca mais nenhum projeto de ambição semelhante foi posto em prática. O espaço exterior tem distâncias astronómic­as, mas também custos colossais. O nosso conhecimen­to e capacidade, nomeadamen­te no domínio da energia e nos meios de apoio à vida na eventualid­ade de viagens muito longas, é ainda extremamen­te rudimentar. Contudo, o projeto da ESA, visando conhecer eventuais vestígios da vida, atual ou passada, em Marte situa-se numa área que não só é realista como louvável. Ao contrário das missões tripuladas, cuja relação custobenef­ício parece constituir um luxo insustentá­vel, estas missões científica­s alargam os horizontes do saber numa área nova, a planetolog­ia comparada. Por exemplo, o maior cientista do clima, James Hansen, foi alertado para as alterações climáticas pelo seu conhecimen­to da atmosfera do planeta Vénus. Quanto mais sabemos da imensa solidão silenciosa e desértica que nos cerca, e que já assustava Pascal, mais percebemos que a nossa única, preciosa e frágil habitação cósmica é este planeta azul, ameaçado pela nossa arrogância.

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VIRIATO SOROMENHO-MARQUES Professor universitá­rio

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