A Selva de Calais e o sorriso de quem nada tem
Reino Unido garante que vai receber centenas de menores não acompanhados nas próximas semanas. Mais novo tem 8 anos
O grande drama entre os dramas das cerca de oito mil pessoas que têm vivido no campo de Calais, também conhecido como Selva, é o destino incerto que as quase 1300 crianças não acompanhadas terão com o desmantelamento do local. O realojamento começou ontem e deverá estar concluído amanhã, para depois se dar início à sua demolição. O ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, pediu na semana passada ao Reino Unido para encetar esforços para identificar e acolher menores. Londres deu prioridade às crianças com família no país e os dois países parecem estar ainda a discutir quem ficará com os menores sem laços familiares.
Para já, estes menores, bem como aqueles que ainda estão à espera de se juntar às suas famílias no Reino Unido, serão instalados em contentores numa encosta da Selva até serem entrevistados por agentes de imigração franceses e britânicos, explicou ontem uma porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Os Médicos sem Fronteiras diziam ontem que eram 1291 e que apenas 200 tinham sido registadas para abandonar a Selva.
“Está frio aqui”, queixou-se ontem um adolescente sudanês que disse chamar-se Abdallah. “Talvez consigamos ir num autocarro mais tarde, ou na próxima semana, para o Reino Unido.” Os irmãos Jamshed e Ahjmal, de 14 e 16 anos, são do Afeganistão. Deixaram o país há seis meses e estão em Calais a tentar juntar-se à família que está em Londres. “Este é obviamente um local onde não nos sentimos felizes. Estamos tristes e queremos estar com o nosso irmão, pai e primo e queremos ajuda com a transferência porque somos novos e não sabemos o que fazer”, disseram à BBC.
A ministra do Interior britânica, Amber Rudd, garantiu ontem que o Reino Unido está a trabalhar com a França para garantir que as crianças são protegidas. E que existem bons progressos na transferência de menores para o Reino Unido que têm família no país. “Já transferimos quase 200 crianças, incluindo 60 meninas em alto risco de exploração sexual”, disse ontem durante um debate no Parlamento britânico.
Estes 200 menores foram transferidos de Calais para o Reino Unido neste mês e Amber Rudd garantiu ontem que irão receber mais umas centenas nas próximas três semanas. Terão prioridade as crianças com mais probabilidades de receberem o estatuto de refugiados, apresentarem um alto risco de exploração sexual ou tiverem 12 anos ou menos. Várias localidades britânicas já se ofereceram para acolher menores, mas serão precisos mais locais à medida que os menores forem chegando, sublinhou a governante.
A organização Help Refugees denunciou ao The Guardian que 49 crianças não acompanhadas com menos de 13 anos tinham sido on- tem obrigadas a passar mais uma noite em Calais, porque o Ministério do Interior britânico tinha sido impedido de fazer registos. “Existem também muitas meninas não acompanhadas no campo que são elegíveis para vir para o Reino Unido, mas que não foram registadas no fim de semana”, contaram ao jornal. “Os contentores foram esvaziados de moradores às sete da manhã, com a justificação de que os menores não acompanhados seriam alojados lá até serem processados. No entanto, os menores que já estavam a viver nos contentores receberem o mesmo pedido. Estão a pedir a algumas das crianças para irem para a fila do barracão de registo e depois voltarem para os contentores. A outros disseram que hoje não havia mais registos”, relatam ainda voluntários da Help Refugees. A criança não acompanhada mais nova tem 8 anos.
Fortes medidas de segurança A França começou ontem a retirar os refugiados e migrantes do campo de Calais, pondo assim fim aos sonhos que muitos tinham de chegar ao Reino Unido. O transporte está a ser feito em autocarros: 60 autocarros ontem, 45 hoje e 40 amanhã.
Depois de alguns momentos de agitação durante a noite, os migrantes acabaram por aceitar de uma forma resignada serem levados para outros locais enquanto esperam por uma resposta aos seus
Conhecido como a Selva, campo tinha cerca de oito mil residentes
pedidos de asilo. À hora de almoço, mais de 700 pessoas já tinham abandonado a Selva em direção a vários campos um pouco por toda a França – foram preparadas cerca de 7500 camas em 450 centros. No final do dia, tinham sido transferidos 1600 migrantes.
Responsáveis franceses elogiavam ontem a forma pacífica como tudo estava a decorrer. Porém, este sentimento não era partilhado pelos trabalhadores humanitários, avisando que os momentos de tensão registados de madrugada – quando alguns migrantes incendiaram casas de banho e atiraram pedras à polícia em protesto contra o encerramento da Selva – poderiam ser sinal de que a situação pode piorar.
Um porta-voz do Ministério do Interior francês disse ontem à tarde que as autoridades não precisaram de fazer uso da força e que a forte presença policial em Calais era apenas por motivos de segurança. Aos 2100 agentes já destacados para o local juntaram-se ainda outros 1250.