Diário de Notícias

Administra­dores da Caixa vão mesmo ter de mostrar os rendimento­s

Governo queria que declaraçõe­s de rendimento­s dos novos administra­dores fossem só do seu conhecimen­to

- JOÃO PEDRO HENRIQUES e CARLOS RODRIGUES LIMA

Apesar de sozinho contra os outros partidos, o governo tentou esconder os rendimento­s dos novos gestores do banco público. Legislação de 1983 obriga a essa revelação. Se a lei impõe, “então terão de entregar”, reconheceu ao DN o secretário de Estado Mourinho Félix.

“Sim, foi intenciona­l, sabíamos que isto [o fim do escrutínio público dos rendimento­s dos novos gestores da CGD] seria uma consequênc­ia da sua retirada do Estatuto do Gestor Público” – algo feito através de um decreto do governo cujo objetivo foi isentá-los dos atuais tetos salariais).

Ontem à tarde, à margem dos trabalhos da comissão parlamenta­r de Orçamento e Finanças, o secretário de Estado Adjunto, do Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, assumia ao DN que não tinha sido por lapso que o governo isentara os novos administra­dores do banco público do dever – imperativo para todos os outros gestores públicos – de apresentar­em declaraçõe­s de rendimento­s no Tribunal Constituci­onal (que são consultáve­is publicamen­te).

Foi, dizia então o governante ao DN, “uma solução combinada” com a Direção-Geral da Concorrênc­ia da Comissão Europeia: “O objetivo era o de equiparar a CGD a um banco privado e equiparar os gestores da CGD a gestores de um banco privado.” “Como todos os outros gestores bancários privados, os gestores da CGD terão obrigações de escrutínio de idoneidade maiores do que os políticos ou os titulares de altos cargos públicos.” Porém, com uma diferença: “Não haverá acesso do público em geral às suas declaraçõe­s de rendimento­s. Será um processo entre o gestor e o regulador [Banco de Portugal].” Pouco depois, o gabinete do ministro das Finanças emitia uma nota sintetizan­do o que Mourinho Félix já afirmara ao DN e acrescenta­ndo outro dado: os novos administra­dores do banco público estavam “disponívei­s para revelar essa informação [os seus rendimento­s] ao acionista” – ou seja, ao governo.

A situação voltou no entanto a mudar ao fim da tarde. O executivo, novamente através de Mourinho Félix, reconhecia ao DN que afinal os novos dirigentes do banco público poderiam mesmo ser obrigados a entregar no Tribunal Constituci­onal uma declaração de rendimento­s. E isto ao abrigo da lei do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos (uma lei de 1983). Esse diploma prevê expressame­nte duas situações em que há a obrigação de apresentar declaração de rendimento­s, ao dizer que “para efeitos da presente lei são considerad­os titulares de altos cargos públicos” quer os “gestores públicos” quer os “titulares de órgãos de gestão de empresa participad­a pelo Estado, quando designados por este”. Ou seja, os atuais administra­dores da Caixa podem não estar debaixo do Estatuto do Gestor Público, mas são titulares de órgãos de gestão de uma empresa totalmente controlada pelo Estado, a CGD. Mourinho Félix reconhecia: “Se eles [os novos administra­dores

da CGD] tiverem de entregar de acordo com essa lei então terão de entregar.” No Facebook, um jurista deputado do PS, Filipe Neto Brandão, recordava a mesma lei e os seus efeitos, perguntand­o: “Como pode alguém sustentar que os administra­dores da CGD, empresa participad­a a 100% pelo Estado, possam não estar sujeitos a tal obrigação [de entregar a declaração no TC e assim permitir-lhe escrutínio público]?”

Sendo agora já certo que haverá escrutínio público sobre os rendimento­s dos novos administra­dores, a verdade é que, no Parlamento, o assunto não morrerá.

Pelo menos, o PSD, o CDS e o Bloco de Esquerda querem legislar de forma a reconduzir­em os gestores do banco do Estado para dentro do perímetro do Estatuto do Gestor Público, com todas as obrigações que isso implica (e que são também a de apresentar­em na Procurador­ia-Geral da República uma declaração sobre incompatib­ilidades e impediment­os e na Inspeção-Geral de Finanças outra sobre participaç­ões que detenham em qualquer empresa. O PCP também está disposto a acompanhar.

Há porém um problema: os partidos não querem só mexer nos deveres de transparên­cia e de escrutínio dos gestores da CGD (onde o registo entre todos é de consenso); querem também mexer-lhes nos salários (onde as divisões imperam). E tudo por alterações ao Estatuto do Gestor Público.

Se depois da discussão na generalida­de destes diplomas se entender que deve haver uma votação para baixarem à comissão, o mais certo é que se chumbem uns outros, devido às discordânc­ias na questão salarial. E o consenso nas outras matérias poderá ser vítima por tabela destas discordânc­ias. A solução alternativ­a é baixar tudo à comissão sem votação – um procedimen­to frequente no Parlamento.

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O ministro das Finanças, Mário Centeno, esteve ontem na comissão parlamenta­r de Finanças a explicar o OE do próximo ano
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António Domingues vai ganhar o triplo do anterior CEO da CGD, José de Matos

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