Faltam dados no OE, Pacto é míope, Bruxelas quer ver mais
Saúde e Educação livres de cativações em 2016. Centeno concorda em dar mais dados a deputados até sexta. Comissão levanta dúvidas e quer explicações até quinta
ORÇAMENTO
LUÍS REIS RIBEIRO O ministro das Finanças regressará para um novo debate no Parlamento, a 2 de novembro, dia de finados, supostamente com todos os dados e mapas que ainda faltam na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017, lacuna que ontem motivou uma longa troca de argumentos entre Mário Centeno e deputados dos dois partidos da oposição, PSD e CDS. Bruxelas entraria em cena quase no final do debate: levantou muitas dúvidas sobre o OE. Antes disso, no debate parlamentar, já Centeno tentara responder a algumas dessas críticas.
Ontem, na Assembleia, no início de mais cinco horas de discussão, Centeno desvalorizou a falta de informação e admitiu que a redução da carga fiscal da economia vai acontecer em 2017, ainda que venha a ser “pequena”, é consistente com o “enorme rigor e exigência” que pressupõe a redução do défice público de 2,4% do PIB neste ano (sem contar com as ajudas à banca, claro) para 1,6% em 2017.
Os deputados da direta reincidiram. Não estavam satisfeitos com aquilo a que chamaram de “farsa” do governo ao não mostrar toda a informação (previsões de receita por imposto e de despesa de forma mais desagregada, em contabilidade pública) relativa a 2016 para se conhecer, de facto, o ponto de partida para 2017. Em resposta a António Leitão Amaro, do PSD, que muito criticou as omissões, Centeno acenou com uma “caixa que está no relatório do Orçamento sobre isso”, mas num tom mais altivo atirou ao parlamentar: “Eu percebo que não consiga entender a álgebra.” Mas aceitou dar mais dados até sexta.
Ontem ao final da tarde, a Comissão Europeia também levantou dúvidas e pediu dados até quinta. Uma carta deValdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão para o euro, e de Pierre Moscovici, o comissário dos orçamentos, enviada a Centeno, identificou “riscos e discrepâncias” no OE 2017 e, acima de tudo, levantou dúvidas sobre como é que o governo vai fazer um ajustamento estrutural (pacote de medidas permanentes) de 0,6% do PIB, como ficou combinado em julho. A CE diz que a sua posição explica-se por estar “menos otimista” do que o governo no cenário macroeconómico e, uma vez mais, porque “algumas das medidas anunciadas não estão suficientemente especificadas”. Bruxelas quer ver mais para acreditar.
A saber: “A projeção das receitas de todos os impostos e contribuições para a Segurança Social e transferências” e “informação atualizada sobre execução fiscal de 2016 e especificação dos rendimentos esperados do regime de liquidação de imposto recentemente introduzido”.
Isto é parecido com o que estavam a pedir PSD e CDS (problema detetado pela UTAO, também). E Portugal não está sozinho: o mesmo tipo de pedido de Bruxelas seguiu para outros países (Chipre, Finlândia, Bélgica, Itália, Espanha, Lituânia).
Centeno respondeu em duas partes. Disse que “a negociação com a CE é um processo natural”, que as “questões de clarificação são menores”, mas que “vão ser respondidas”. “Miopia política” Antes disso, tinha tornado bem claro que o debate em torno do cálculo dos 0,6% de ajustamento estrutural não pode ficar por aqui. O governo vai tentar persuadir a Comissão Europeia e parceiros europeus (países) de que é possível um tratamento mais favorável na contabilização de certas medidas de promoção do crescimento no défice orçamental de 2017.
Referiu que “as medidas para aumento do potencial da economia exigem investimento público” e isso “agrava o défice”. Mas por outro lado é aceite que o crescimento tem de ser financiado e apoiado por fundos públicos e europeus. No entanto, prosseguiu o ministro, ao mesmo tempo que a Europa diz que o aumento de potencial económico é uma prioridade, também “exige mais medidas de redução da despesa, de consolidação orçamental” para compensar. “Em que é que ficamos?”, questionou Centeno, tendo rematado com: “A Europa está refém de si própria. A miopia política de uns poucos adia o futuro de milhões.” Saúde e escolas sem cativações No debate de ontem, o governo também tentou esclarecer que setores estão livres das cativações. Em resposta à deputada do BE Mariana Mortágua, o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, garantiu que “é muito importante referir que não há cativações na Saúde nem no Serviço Nacional de Saúde (SNS). E “nas escolas também não há cativações na despesa de bens e serviços”. Hoje este assunto volta ao debate na AR, convocado de urgência pelo PSD, mas com três semanas de atraso face ao CDS, que promoveu iniciativa idêntica a 12 deste mês.
Durante toda a tarde, perante os ataques da direita e os reparos e elogios da esquerda, a equipa das Finanças foi clarificando um ou outro ponto do novo OE. Disseram que não haverá margem para descongelar carreiras da função pública em 2017 (só em 2018); que os partidos políticos deviam ficar isentos do adicional de IMI como as atividades culturais e religiosas. E repetiram que haverá estabilidade fiscal em 2017: “As alterações são feitas para que os impostos visados não percam importância na estrutura fiscal. E os que mudam são impostos específicos, não são ad valorem. Temos uma estabilidade nos mais importantes: IRS, IRC e IVA. E a receita de novos impostos ou de atualização de impostos não ultrapassa 0,5% da receita total de impostos. Se 99,5% não é estabilidade fiscal…”, ilustrou Centeno. Com J.F.G. e J.P.H.
Não podemos dizer que há falta de números, há é falta de números que agradem a oposição
MÁRIO CENTENO
MINISTRO DAS FINANÇAS O OE tem limitações por opções do governo e do PS devido a constrangimentos
externos
PAULO SÁ
DEPUTADO DO PCP Parece que o vácuo é uma característica típica dos
orçamentos do PS
ANTÓNIO LEITÃO AMARO
DEPUTADO DO PSD