Diário de Notícias

Um erro do governo

- VIRIATO SOROMENHO-MARQUES

Numa entrevista recente, Otmar Issing, um dos pais fundadores das regras da zona euro (ZE), lamentava a transforma­ção da sua criatura num “castelo de cartas”, que ameaça desmoronar-se. Infelizmen­te, o ancião de 80 anos justificav­a a afirmação repetindo o mantra dos princípios absurdos que conduziram a ZE a transforma­r-se no maior risco sistémico global. Segundo Issing, a atual política do BCE está a destruir a capacidade disciplina­dora dos mercados (leia-se sistema financeiro; no caso europeu, bancos). Issing refere-se à maior monstruosi­dade da ZE, que é a única região do mundo onde os Estados transferir­am totalmente a prerrogati­va da emissão monetária para os mercados, ficando umbilicalm­ente dependente­s do seu crédito, já que o BCE está impedido de comprar diretament­e as obrigações emitidas pelos Estados. A posição dos bancos na ZE foi sempre de privilégio e desmesura. Foram eles que fizeram explodir a dívida privada periférica, na alvorada do euro. Foram eles que importaram o vírus dos derivados americanos, que rebentaram em 2008. Foram eles que chantagear­am os Estados, obrigando a que estes se endividass­em para os salvar. Por cada euro emprestado aos Estados a juros elevados, os bancos receberam mais de dez. E mesmo o dinheiro dos resgates foi concedido, sobretudo, para saldar contas com a banca estrangeir­a, como os gregos, irlandeses e portuguese­s o sabem por experiênci­a própria. O caso dos salários dos administra­dores da CGD, e sobretudo a exceção da entrega da sua declaração de rendimento­s ao TC, que transforma estes “gestores públicos” em aristocrat­as da Corte do Rei Sol, mostra que, depois de tantos sacrifício­s, está tudo na mesma, ou pior do que em 2008. Eu esperava que isso se tornasse visível, apenas, no dia em que Berlim deitar a legislação da União Bancária para o caixote do lixo, para acudir sem peias ao Deutsche Bank. Afinal de contas, bastou a precipitaç­ão de António Costa, cedendo a exigências mesquinhas, para sabermos quem continua no posto de comando.

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