Em Bruxelas é preciso provar, antes de negociar
ROSÁLIA AMORIM
Se dúvidas houvesse sobre a intenção de colocar em cima da mesa, em Bruxelas, a reestruturação da dívida portuguesa, a Comissão Europeia já respondeu, indiretamente, ao declarar ter identificado “riscos e discrepâncias” que levantam dúvidas no cumprimento de metas orçamentais.
Se ainda ontem de manhã PCP e Bloco de Esquerda ponderaram trazer o tema de novo para a discussão, à tarde a Comissão deitou um balde de água fria sobre o assunto.
Mário Centeno, ministro das Finanças, chegou ontem à audição parlamentar com um sorriso e boas notícias – a avaliação positiva da DBRS no que toca à redução do défice, o sinal do Banco Central Europeu sobre “os progressos notáveis” na redução do défice, a própria redução do défice em 292 milhões de euros até setembro e ainda uma ligeira descida nos juros da dívida –, mas quando a Comissão solicitou esclarecimentos ao governo sobre a proposta do OE 2017, dado ter identificado “riscos e discrepâncias”, a tensão voltou a pairar no ar.
Numa carta enviada ao ministro das Finanças, publicada no site da instituição europeia, os comissários do Euro, Valdis Dombrovskis, e dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, afirmaram a vontade de “prosseguir um diálogo construtivo com Portugal, de modo a chegar a uma avaliação final” da proposta do OE, mas pediram que as informações solicitadas cheguem a Bruxelas até ao final desta quinta-feira, para serem tidas em conta na análise do executivo comunitário.
A Comissão considera o governo demasiado otimista em termos macroeconómicos e diz : “Face a estes riscos e discrepâncias entre o esboço de Plano Orçamental e a análise preliminar da Comissão, gostaríamos de receber mais informação sobre de que forma Portugal assegurará o cumprimento do esforço recomendado para 2017.”
Por exemplo, já era sabido que Bruxelas poderia não aceitar o recente perdão fiscal como uma medida permanente de redução do défice. Aliás, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental tinha deixado esse alerta, até porque a Comissão pode ver nesta medida uma prática e receita temporária e não permanente. Em suma, não será suficiente para assegurar o cumprimento do esforço para 2017 de forma sustentável e consolidada ou para convencer os comissários. Prova disso é que solicita dados sobre a execução fiscal e os lucros esperados com o Programa Especial de Redução do Endividamento do Estado, introduzido pelo governo. Antes de qualquer renegociação ainda há muito por provar, é preciso pôr o país a crescer, através dos bens transacionáveis, e é preciso saber esperar por uma melhor conjuntura económica e, acima de tudo, europeia.