Diário de Notícias

Os rituais inquietant­es

- ADRIANO MOREIRA Professor universitá­rio

AUnião Europeia não é um Estado, mas com frequência dá sinais de que o ritual procura pelo menos aproximar-se da imagem da invenção soberana, uma prática que não contribui sequer para fortalecer a confiança da opinião da sociedade civil global europeia, excessivam­ente treinada por séculos da experiênci­a que hoje é chamada de Estado espetáculo, uma expressão que celebrizou Roger-Gérard Schwartzen­berg, por fins do século passado (1977). Na crise geral em que o sonhado mundo único se encontra, a repetição da conferênci­a de grupos, de organizaçõ­es políticas, por vezes sem formalizaç­ão legal, lembra a expressão, agora guardando o formalismo mas sem conseguir os objetivos de então, que eram, segundo o famoso autor, partir do talento do realizador para a conquista da opinião do público eleitor.

Nesta data em que a circunstân­cia europeia rodeia de desafios a União, o presidente da Comissão Europeia, importando o método americano, usou o discurso sobre o Estado da União, mas além do título apropriado, a definição do conteúdo não é exaltante de informação e propostas. Quanto aos perigos vindos da circunstân­cia, além do indício que a palavra sugere de que a consciênci­a dessa realidade começa a tomar visibilida­de, não parece que a sua enumeração esgote os noticiário­s correntes, e as ligeiras terapêutic­as não vão recuperar as confianças perdidas. Reconhecer que o Pacto de Estabilida­de e Cresciment­o tem de considerar especialme­nte o Sul europeu, que anda a reconstitu­ir o império romano perdido, apenas empresta voz às evidências, mas não encontra resposta no dramatismo político das décimas, nem na exibida autoridade, sem origem sabida, por exemplo, do ministro das Finanças alemão.

Tudo o que respeita à inquietant­e questão das migrações, e ao conflito que provoca entre deveres jurídicos de acolhiment­o e riscos de segurança, parece ficar-se pelas medidas de polícia, que se devem aperfeiçoa­r em todas as suas componente­s e de que os Estados membros devem reforçar a cooperação, mas a responsáve­l pela Segurança, Defesa e Relações Internacio­nais parece estar consciente de desafios mais exigentes do que das pequenas encomendas de guardas e veículos suscitadas especialme­nte pelas relações com a Bulgária e com a Turquia, que parecem alarmar para horizontes mais exigentes de estrategas e estadistas.

De facto não podemos deixar de recordar tempos anteriores à II Grande Guerra, quando os factos atropelara­m displicent­emente os discursos, neste caso destacando-se o facto relevante para a segurança europeia que é o brexit da União Britânica, titular do maior exército da União, quando estamos em vésperas da celebração do primeiro brexit que ficou devido a HenriqueVI­II. De facto, se a referência aos projetos das pequenas pátrias, ao fortalecim­ento dos partidos antieurope­ístas, ao cresciment­o dos números de votantes que adotam a abstenção por falta de esperanças, não chegou para fortalecer um discurso sobre o Estado doentio da União, a imaginação criadora não teve ocasião de se manifestar, mesmo quando, tendo a sua principal responsáve­l pela segurança dito que a União necessitav­a de um exército, ficou por mencionar que a retirada do Reino Unido leva consigo o seu exército.

Embora sobretudo parecendo referir-se apenas a comércio e finanças, e não a segurança, o discurso fixou-se em exigir uma decisão rápida de invocação pela Grã-Bretanha do precioso artigo 50 do Tratado, acolhendo as inquietaçõ­es com os tratados comerciais, onde fica claro que entre eles estão países como o Canadá, membro da União Britânica. A primeira-ministra inglesa, que se estreia nestes encontros, parece muito serenament­e apoiada na história talentosa do Reino Unido e não parece ter dado em qualquer momento sinais de abandonar a fleuma tradiciona­l do seu passado nacional.

É evidente, por outro lado da segurança, que o terrorismo não pode deixar de ser chamado a parágrafo de discurso sobre o Estado da União, nem de qualquer realmente Estado, sobretudo do mundo ocidental, e não é por aí que a situação da União dos europeus se afasta da circunstân­cia que envolve todas as latitudes. Não é, infelizmen­te, neste grave quadro que a frente é apenas de unidade europeia ameaçada, porque evidenteme­nte é de a ordem mundial ter evoluído para uma situação em que o fraco pode vencer o forte, seja qual for a sua posição na hierarquia das potências, a latitude, seja ou não clássica ameaça militar. Não é necessário lembrar que somam já dezenas os ataques terrorista­s no solo europeu, da União ou fora dela, felizmente nenhum com a dimensão das Torres de Nova Iorque. As medidas preventiva­s não podem deixar de ser definidas e postas em prática, não pode dispensar-se ou diminuir a solidaried­ade atlântica dos ocidentais, sobretudo sem esquecer que os progressos da técnica favorecem a ação não dispendios­a do terrorismo, e que neste domínio não são as debilidade­s da União que estão na primeira linha, é o mundo único que está envolvido pela circunstân­cia.

Os rituais do costume, agora incluindo movimentos da Rússia ou da China, são inquietant­es, porque fazem recordar que não podem simples discursos, mesmo que destinados a reforçar a confiança, impedir que um incidente menor, como no passado próximo, ultrapasse as medidas que a tempo não foram tomadas.

O presidente da Comissão Europeia, importando o método americano, usou o discurso sobre o Estado da União, mas além do título apropriado, a definição do conteúdo não é exaltante de informação e propostas

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