“Sem falsa modéstia, acho que fiz muita coisa e fui inovador”
A última lição não fica fechada na universidade e chega hoje às livrarias
É um pequeno volume de 130 páginas e o título não podia ser mais simples: Última Lição. O editor de sempre de Daniel Sampaio, Zeferino Coelho da Caminho, propôs que a última aula do professor fosse passada a livro, afinal a 28.ª obra do autor, que pôde assim estender-se por um texto mais longo do que o que vai ser hoje apresentado.
Logo a começar, ele faz um jogo de palavras com a jubilação e o júbilo de festejar o percurso longo e rico iniciado em 1946, quando nasceu em Lisboa, filho do médico Arnaldo Sampaio, pioneiro da Saúde Pública em Portugal, e de Fernanda Bensaúde, “que marcou a minha infância com o seu ar vivo de permanente curiosidade”.
A família é essa origem, com um papel marcante da avó Sara e do irmão Jorge, e é ainda aquela que escolheu criar com a mulher Maria José Ataíde Cabeçadas, também médica. E assim entram na história os três filhos e sete netos, parte essencial da biografia em que entra a professora decisiva: Maria Luísa Guerra, que lhe ensinou Filosofia no Liceu Pedro Nunes e o encaminhou para a Psicologia.
Depois veio a escolha da Medicina, num jovem que se dizia existencialista e se envolvia na oposição à ditadura e nas atividades associativas. A psiquiatria chegou naturalmente ao rapaz que gostava de ficar dias inteiros a ler e que sabia ouvir. A partir de 1976, começou a vida profissional e anunciaram-se os entusiasmos, os tais de que fala como fanatismos. Primeiro a grupanálise, depois a terapia familiar.
Pouco a pouco, os adolescentes tornaram-se centrais no seu trabalho, primeiro com a questão do suicídio, depois com as doenças do comportamento alimentares – a anorexia nervosa e a bulimia nervosa. Ainda no campo dos adolescentes, preocupam-no sobretudo os comportamentos autolesivos, nova designação que propõe para a antes chamada automutilação. Um estudo do seu grupo concluiu – como hoje vai revelar – que 7% dos adolescentes já tiveram um “comportamento de cortes, um comportamento autolesivo. Se esses comportamentos se repetem e ninguém faz nada, o risco de suicídio aumenta. Há muitos jovens com necessidade de fazer alguma coisa pela sua saúde mental.” E daí sai uma proposta formal de intervenção para os comportamentos autolesivos dos adolescentes, sobre o qual tenciona trabalhar.
Além de manter as aulas de mestrado e doutoramento na Faculdade de Medicina, Daniel Sampaio vai coordenar o futuro Gabinete de Atendimento Psicológico e Psiquiátrico dos estudantes de Medicina, desenvolvendo e autonomizando o que funciona há três anos no âmbito do serviço de psiquiatria e que foi criado por iniciativa da associação de estudantes.
Não faltam atividades, portanto, e vai ser preciso novamente dar uso à capacidade de organização que tem posto em ordem a sua vida. Aumentou os períodos de consultório, que mudou para as instalações da Sociedade de Terapia Familiar, de que é fundador. É que se o professor (quase) deixou a escola, o psiquiatra continua em ação. “A doença bipolar e a esquizofrenia são os grandes problemas da psiquiatria atual. Avançámos muito e essas doenças melhoram, mas não se curam. As pessoas que têm um doente bipolar ou um esquizofrénico na família têm uma vida muito difícil, temos de ajudá-las.”
Na verdade, o balanço que faz dos 70 anos que viveu até agora é positivo. Diz simplesmente: “Sem falta modéstia, acho que fiz muita coisa e fui inovador em campos como o suicídio, o comportamento alimentar, a família.” E como hoje é dia de festa, Daniel Sampaio diz: “Aerei o último a queixar-me da vida.” É o que se lê na contracapa do livro. A.S.D.
7% dos adolescentes de Lisboa já fizeram cortes no corpo