Diário de Notícias

“Vivemos na primeira sociedade que fez da morte tabu”

- ANSELMO BORGES Padre, teólogo e professor na Universida­de de Coimbra

Como analisa o documento aprovado pelo Papa sobre a conservaçã­o das cinzas da cremação? O pano de fundo e o horizonte de compreensã­o deste documento é levar a uma reflexão sobre a morte, sobre a importânci­a e necessidad­e dos rituais da morte, do luto, da memória dos mortos. Porquê? Vivemos na primeira sociedade da história que fez da morte tabu, o último tabu. Uma sociedade cuja lógica assenta neste tabu. E o tabu agudizou-se com a falta de rituais funerários, cada vez mais rápidos e pobres, com a negação do luto, e, agora, com a dispersão das cinzas, a significar a anulação da própria memória do defunto. Não fica qualquer vestígio. É como se se não tivesse existido. Até já se pretende fazer funerais para serem acompanhad­os apenas pela internet. Julgo que é sobre esta sociedade desumaniza­da que o documento quer refletir Com a publicação deste texto, a conservaçã­o das cinzas em casa fica proibida? Não se deverá conservar as cinzas em casa. Mas há exceções: por motivos culturais, por exemplo. O documento diz que não é permitida a dispersão das cinzas. E se o defunto tiver manifestad­o essa vontade? Sim. O documento desaconsel­ha vivamente a dispersão das cinzas. Para evitar mal-entendidos, como a ideia de que a pessoa acaba definitiva­mente, confundind­o-se com a natureza. Penso que há casos e casos, tendo de haver compreensã­o. Em última instância, pode ser mesmo negado o funeral católico à pessoa... Só num caso se nega a possibilid­ade de funeral católico: se o defunto tiver determinad­o a cremação e a dispersão das cinzas na natureza por razões contrárias à fé cristã, portanto, como sinal de que na morte a pessoa acaba definitiva­mente, sem esperança para lá da morte.

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