A Islândia quis casar com a UE mas abandonou-a no altar
Ilha do Atlântico Norte, que quase faliu e depois renasceu, vota no domingo. DN publica, a partir de hoje, retratos deste país com 325 mil habitantes e que muito dá que falar
Era um casamento por conveniência e, talvez por isso, nunca chegou a acontecer de facto. Sempre reticente a aderir à União Europeia, a Islândia chegou a apresentar a candidatura para entrar, depois de, em plena crise financeira, o país ter ido praticamente à falência. Porém, alguns anos mais tarde, já as negociações tinham começado, com o aval de tudo e de todos – da Comissão ao Conselho Europeu – os islandeses desistiram da união e deixaram a noiva no altar.
“Deixou de ser válido para nós continuar a participar nas negociações com a UE, devido a mudanças na própria União Europeia e porque não está nos planos do novo governo aceitar tudo o que o anterior estava disposto a aceitar. Assim sendo voltamos à estaca zero”, declarou em março de 2015 o então primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Davið Gunnlaugsson, eurocético do Partido Progressista.
Seis anos antes, a sua antecessora, Jóhanna Sigurðardóttir, a primeira mulher a chefiar um governo nesta ilha do Atlântico Norte, oferecera o anel de noivado, submetendo em nome da Islândia a candidatura à adesão à UE. “A conclusão das negociações de adesão irá revelar as verdadeiras oportunidades oferecidas pela adesão à União Europeia”, declarou a primeira-ministra social-democrata, num discurso em abril de 2009, prometendo ainda aderir ao euro.
E se quando a candidatura à adesão foi retirada alguns protestaram nas ruas, a verdade é que o sentimento de pertença ao clube europeu não é forte entre os islandeses. Um inquérito Gallup, de agosto de 2015, mostrou que 50,1% dos inquiridos se opunham à adesão à UE, 34,2% eram a favor, 15,6% estavam indecisos.
Membro da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) e do Espaço Schengen, a Islândia, que tem 325 mil habitantes, assenta uma grande parte da sua economia nas pescas e, por isso, sempre desconfiou das quotas impostas aos Estados membros pela UE. As exportações islandesas para a UE são aliás dominadas por esse setor, sendo o quarto maior exportador de peixe e de produtos derivados para o mercado europeu, a seguir à Noruega, à China e ao Equador, segundo a Comissão Europeia. Em 2013, as exportações da Islândia para a UE totalizaram um valor de 945 milhões de euros, o equivalente a 5,4% das importações da UE a nível de pescado.
A relação Islândia-UE é, por isso, “de pragmatismo económico”, disse ao DN o investigador universitário Bernardo Pires de Lima. “O país optou sempre por uma autonomia consciente. A atenção da UE na Islândia [membro da NATO] é ou deveria ser sobretudo geoestratégica, tendo em conta a importância do Ártico no trânsito comercial global das próximas décadas. É por isso que a China passou a ver na Islândia uma das prioridades estratégicas na Europa, único país com quem assinou um acordo de livre comércio bilateral. O Ártico é por isso a intersecção entre a Islândia, a China e a UE.”
A retirada do pedido de adesão pode ser também lida à luz da recuperação económica do país, ressalva Paulo de Almeida Sande, ex-diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal. “A suspensão foi tornada definitiva em 2015, também na esteira do sucesso da recuperação económica. Após o colapso da banca em 2008, tendo recusado a fórmula então preconizada pela União Europeia – medidas de austeridade – e com o apoio do FMI através de um programa de resgate, o país superou rapidamente a brutal recessão dos primeiros anos e depressa voltou a crescer acima dos 3% ao ano. A dívida estabilizou, o desemprego baixou e o crescimento voltou.”
E se quando o amor acaba, às vezes a amizade permanece, no caso da Islândia e da UE também é verdade que assim é. “No final do dia, a União Europeia e a Islândia continuam unidas, profundamente ligadas pela economia, pela cidadania e pela política”, constata o especialista em assuntos europeus. E deixa no ar a seguinte pergunta: “Voltará um dia o país a virar-se para a UE em busca da adesão? Só o futuro o dirá.”
Posição da Islândia no Ártico merece atenção
da UE