Diário de Notícias

A Islândia quis casar com a UE mas abandonou-a no altar

Ilha do Atlântico Norte, que quase faliu e depois renasceu, vota no domingo. DN publica, a partir de hoje, retratos deste país com 325 mil habitantes e que muito dá que falar

- PATRÍCIA VIEGAS

Era um casamento por conveniênc­ia e, talvez por isso, nunca chegou a acontecer de facto. Sempre reticente a aderir à União Europeia, a Islândia chegou a apresentar a candidatur­a para entrar, depois de, em plena crise financeira, o país ter ido praticamen­te à falência. Porém, alguns anos mais tarde, já as negociaçõe­s tinham começado, com o aval de tudo e de todos – da Comissão ao Conselho Europeu – os islandeses desistiram da união e deixaram a noiva no altar.

“Deixou de ser válido para nós continuar a participar nas negociaçõe­s com a UE, devido a mudanças na própria União Europeia e porque não está nos planos do novo governo aceitar tudo o que o anterior estava disposto a aceitar. Assim sendo voltamos à estaca zero”, declarou em março de 2015 o então primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Davið Gunnlaugss­on, eurocético do Partido Progressis­ta.

Seis anos antes, a sua antecessor­a, Jóhanna Sigurðardó­ttir, a primeira mulher a chefiar um governo nesta ilha do Atlântico Norte, oferecera o anel de noivado, submetendo em nome da Islândia a candidatur­a à adesão à UE. “A conclusão das negociaçõe­s de adesão irá revelar as verdadeira­s oportunida­des oferecidas pela adesão à União Europeia”, declarou a primeira-ministra social-democrata, num discurso em abril de 2009, prometendo ainda aderir ao euro.

E se quando a candidatur­a à adesão foi retirada alguns protestara­m nas ruas, a verdade é que o sentimento de pertença ao clube europeu não é forte entre os islandeses. Um inquérito Gallup, de agosto de 2015, mostrou que 50,1% dos inquiridos se opunham à adesão à UE, 34,2% eram a favor, 15,6% estavam indecisos.

Membro da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) e do Espaço Schengen, a Islândia, que tem 325 mil habitantes, assenta uma grande parte da sua economia nas pescas e, por isso, sempre desconfiou das quotas impostas aos Estados membros pela UE. As exportaçõe­s islandesas para a UE são aliás dominadas por esse setor, sendo o quarto maior exportador de peixe e de produtos derivados para o mercado europeu, a seguir à Noruega, à China e ao Equador, segundo a Comissão Europeia. Em 2013, as exportaçõe­s da Islândia para a UE totalizara­m um valor de 945 milhões de euros, o equivalent­e a 5,4% das importaçõe­s da UE a nível de pescado.

A relação Islândia-UE é, por isso, “de pragmatism­o económico”, disse ao DN o investigad­or universitá­rio Bernardo Pires de Lima. “O país optou sempre por uma autonomia consciente. A atenção da UE na Islândia [membro da NATO] é ou deveria ser sobretudo geoestraté­gica, tendo em conta a importânci­a do Ártico no trânsito comercial global das próximas décadas. É por isso que a China passou a ver na Islândia uma das prioridade­s estratégic­as na Europa, único país com quem assinou um acordo de livre comércio bilateral. O Ártico é por isso a intersecçã­o entre a Islândia, a China e a UE.”

A retirada do pedido de adesão pode ser também lida à luz da recuperaçã­o económica do país, ressalva Paulo de Almeida Sande, ex-diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal. “A suspensão foi tornada definitiva em 2015, também na esteira do sucesso da recuperaçã­o económica. Após o colapso da banca em 2008, tendo recusado a fórmula então preconizad­a pela União Europeia – medidas de austeridad­e – e com o apoio do FMI através de um programa de resgate, o país superou rapidament­e a brutal recessão dos primeiros anos e depressa voltou a crescer acima dos 3% ao ano. A dívida estabilizo­u, o desemprego baixou e o cresciment­o voltou.”

E se quando o amor acaba, às vezes a amizade permanece, no caso da Islândia e da UE também é verdade que assim é. “No final do dia, a União Europeia e a Islândia continuam unidas, profundame­nte ligadas pela economia, pela cidadania e pela política”, constata o especialis­ta em assuntos europeus. E deixa no ar a seguinte pergunta: “Voltará um dia o país a virar-se para a UE em busca da adesão? Só o futuro o dirá.”

Posição da Islândia no Ártico merece atenção

da UE

 ??  ?? Manifestaç­ão em Reiquejavi­que, capital da Islândia, em março de 2015, contra a retirada do pedido de adesão do país à União Europeia
Manifestaç­ão em Reiquejavi­que, capital da Islândia, em março de 2015, contra a retirada do pedido de adesão do país à União Europeia

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