Diário de Notícias

Todos os anos há quatro mil crianças que não são vacinadas

Os pediatras garantem às famílias que são eficazes e seguras e a verdade é que em Portugal 95% das crianças cumprem o plano nacional de vacinas. Mas como a vacinação não é obrigatóri­a há quem não veja benefícios para os filhos e prefira evitar riscos.

- JOANA CAPUCHO

“Por que razão hei de empestar o corpo das minhas filhas?” Paulo, 50 anos, não vacinou nenhuma das duas filhas, agora com 13 e 8 anos. Se tivesse um terceiro filho, seguiria o mesmo caminho. “Dar vacinas seria destruir o sistema imunitário delas.” Já Sofia Salgado Mota, mãe de Rui, de 21 anos, e de Carlota, de 2, tem uma posição diferente. “As crianças contactam diariament­e com diversos vírus, principalm­ente quando estão inseridas em contexto escolar. Vaciná-las é protegê-las.”

Como se pode ver, a vacinação não é uma questão consensual. Em Portugal, embora não seja obrigatóri­a, é uma opção para 95% dos pais e é “altamente recomendad­a” pelos pediatras. Contudo, há uma minoria que prefere não imunizar os filhos. Analisando os números mais recentes, atendendo às estimativa­s da Direção-Geral da Saúde, ficam por vacinar cerca de 4000 crianças por ano. Em 2015, por exemplo, nasceram 85 500 bebés, o que quer dizer que 4275 não foram vacinados.

Na semana passada, o assunto voltou a estar em discussão, depois de o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, se ter reunido com Robert F. Kennedy, um ativista antivacina­s, que nomeou para presidir uma comissão sobre a segurança da vacinação nos EUA. Isto depois de, em 2015, ter dito que as vacinas infantis causam autismo. Uma ideia disseminad­a após a publicação de um artigo na revista Lancet, em 1998, que mais tarde foi considerad­o uma fraude.

“Nenhum estudo feito posteriorm­ente comprovou essa associação”, destaca Luís Varandas, diretor da Sociedade de Infecciolo­gia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria. Embora nos Estados Unidos e em alguns países da Europa a moda antivacina­ção esteja a causar alarme, por cá esses movimentos não têm grande expressão. “Até hoje, só tive dois pais que não quiseram vacinar. E eu não quis seguir as crianças, porque, embora até possa perceber que não o queiram fazer, é uma questão de saúde pública”, refere o pediatra.

Apesar de as escolas verificare­m o boletim de vacinas quando as crianças se matriculam, em Portugal a vacinação não é obrigatóri­a. “Essa é uma falsa crença. Mas as vacinas são altamente recomendad­as”, diz ao DN Luís Varandas, acrescenta­ndo que não conhece pediatras que não aconselhem as vacinas incluídas no Programa Nacional de Vacinação (PNV ).

Para Sofia, autora do blogue Pedaços de Nós, “a vacinação é a proteção ideal para as doenças, muitas vezes a única”. E muitas doenças “já não se manifestam porque quase todas as crianças estão vacinadas”. Luís Varandas confirma: “Se não há uma grande percentage­m de pessoas vacinadas, as doenças regressam. A imunidade de grupo só existe se as pessoas continuare­m a ser vacinadas.”

Além da varíola, que foi erradicada, o sarampo, a poliomieli­te, a rubéola, a difteria e o tétano neonatal já foram eliminadas em Portugal, mas podem ser contraídas fora do país. “Já tivemos casos de sarampo importados e só não houve surto porque as crianças estão vacinadas.” Numa comunidade onde não estão imunizadas, pode surgir uma epidemia.

Celeste Barreto, diretora do serviço de pediatria do Hospital de Santa Maria, só se recorda de acompanhar duas famílias que, nos últimos anos, não quiseram vacinar. E uma delas voltou atrás na decisão. “O filho de um amigo ficou doente e decidiram começar a vacinar.” A pediatra é “da época em que não havia vacina da meningite C”, por exemplo, e “a diferença para os dias de hoje é abismal”. “O número de casos era significat­ivo e os quadros eram gravíssimo­s.”

Milhões de mortes evitadas De acordo com a OMS, as vacinas evitam anualmente a morte de três milhões de pessoas. O pediatra Mário Cordeiro acredita que “muitas pessoas não têm uma pálida ideia da importânci­a da vacinação e dos milhões de vidas que as vacinas já salvaram”. Cinquenta e dois anos após a criação do PNV, “já se tornou um hábito e desvaloriz­amos o assunto, o que não acontece nos países menos desenvolvi­dos”.

Mário Cordeiro já conheceu muitos pais que não quiseram seguir o PNV, mas diz que continuam a ser a minoria: “Respeito as decisões mas pretendo que saibam a responsabi­lidade que assumem e tento desmistifi­car o que os assusta: um misto de ‘complô das multinacio­nais’ e teorias da conspiraçã­o, ou que as doenças são inventadas. Não são! (...) As doenças matam, as vacinas salvam.”

Vírus em constante mutação Paulo é um nome fictício, porque este pai considera que a sociedade não aceita a sua decisão. “Incutiu-se o medo de que a criança pode morrer se não for vacinada.” Uma das razões que o levam a não imu-

nizar as filhas é o facto de os vírus estarem “em constante mutação”. “Quanto te infeta, já está alterado. Podes sofrer menos danos, mas serás infetado na mesma. E entretanto já colocaste veneno no corpo.” Por outro lado, considera que estaria a destruir o sistema imunitário das filhas. Mas a forma como as vacinas mexem com o sistema imunitário, esclarece Mário Cordeiro, é a “forma como mexem as dezenas e dezenas de micro-organismos com os quais os nossos filhos contactam todos os dias, connosco, com a família, no infantário e na escola”.

O PNV inclui 12 vacinas, universais e gratuitas. Além dessas, existem outras recomendad­as pelos pediatras, mas cujos custos são suportados pelos pais. Sofia Salgado Mota dá todas à filha mais nova, Carlota, e, enquanto educadora de infância, apercebe-se de que a maioria dos pais tenta fazê-lo. “Quando não o fazem é porque a nível financeiro não conseguem.” A vacina contra a meningite B, por exemplo, custa quase cem euros.

Tal como Paulo, Maria (nome fictício), 47 anos, também escolheu não vacinar a filho, de 6 anos. “A vacinação está a ser feita de forma estandardi­zada, mas as necessidad­es, os ambientes e as pessoas são diferentes”. Adepta de “coisas mais naturais, sem muitos químicos”, leu diversos livros e estudos antes de seguir este caminho. Ao DN, destaca argumentos que leu repetidas vezes: “Alguns efeitos secundário­s eram unânimes: as alergias, o autismo, a toxicidade cancerosa.” O desconheci­mento face à composição da vacina e o enfraqueci­mento do sistema imunitário ajudaram a suportar a decisão. Ainda colocou a hipótese de escolher apenas algumas vacinas, mas o PNV “não prevê o meio-termo”. Eficácia e segurança garantidas De uma maneira geral, as reações adversas da vacinação não são graves. O pediatra Hugo Rodrigues considera que as pessoas que não seguem o PNV “só têm coragem de o fazer porque a taxa de vacinação em Portugal é elevada”. Testadas durante anos, “as vacinas são seguras, muito eficazes e não matam”. Basta olhar para “a descida a pique na mortalidad­e infantil nas últimas décadas”. “A mudança é radical e benéfica, por isso custa a perceber esta onda antivacina­ção.”

O pediatra Gomes Pedro também defende que “as vacinas são fundamenta­is”, pois “protegem contra infeções que não podem ser evitadas de outra forma”. Tal como Mário Cordeiro, gostaria de ver incluídas no PNV as vacinas antirrotav­írus e antimening­ite B: “Faço um grito de alerta para que o país garanta a sua compartici­pação.”

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 ??  ?? Sofia Salgado Mota segue o Programa Nacional de Vacinação com a filha, Carlota, e já fez o mesmo com o filho mais velho. Também dá as vacinas sugeridas pelo pediatra. Acredita que vacinar é proteger
Sofia Salgado Mota segue o Programa Nacional de Vacinação com a filha, Carlota, e já fez o mesmo com o filho mais velho. Também dá as vacinas sugeridas pelo pediatra. Acredita que vacinar é proteger

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