Diário de Notícias

PAÍS DO MAR EXPORTA 98% DOS LICENCIADO­S NÁUTICOS

Sem marinha mercante portuguesa, futuro dos alunos passa pelo estrangeir­o, onde a taxa de empregabil­idade atinge os 98%

- CARLOS RODRIGUES LIMA

Escola Náutica Infante D. Henrique, em Oeiras, assegura aos alunos empregabil­idade quase total na marinha mercante e nos navios de turismo, mas em companhias estrangeir­as

Escola tem 750 alunos. Nas salas há simulações de navegação ou de problemas que podem acontecer numa sala das máquinas de um navio

Protegida pela vitrina, a réplica do Erati, um dos maiores navios petroleiro­s alguma vez construído­s em Portugal, recorda aos alunos da Escola Náutica Infante D. Henrique um passado pujante da marinha mercante portuguesa. Mais antigo na história, o Saudade, o bacalhoeir­o de Francisco de Almeida, repousa também num dos corredores do complexo de edifícios, situado em Paço d’Arcos (Oeiras), que acolhe, atualmente, 750 alunos, futuros engenheiro­s de máquinas, gestores de transporte­s e logística e pilotos de navios.

Os futuros marinheiro­s, porém, dificilmen­te serão oficiais de embarcaçõe­s semelhante­s com bandeira portuguesa, já que, como disse ao DN o presidente da escola, Luís Filipe Batista, os 98% de empregabil­idade produzidos pela escola são para exportação.

Destino: as grandes companhias internacio­nais de turismo e comércio marítimos. “Atualmente, segundo vários estudos, há défice de oficiais da marinha mercante na Europa. A escola representa uma oportunida­de”, frisou o presidente da ENIDH, adiantando que as grandes companhias internacio­nais, “com a abertura de linhas para o Brasil”, estão a “dar prioridade aos licenciado­s em Portugal”, já que aquele país, apesar da extensa costa e portos, “tem apenas duas escolas náuticas”, não conseguind­o dar resposta à procura de oficiais falantes de português. José Silveira, 26 anos, começou assim: licenciado em Pilotagem, no final do curso fez o período de “praticante” – estagiário – até chegar a oficial da marinha mercante. A decisão de enveredar pela carreira começou cedo, no mar, como praticante de vela; depois, já na idade adulta, a progressão entusiasmo­u-o: “Um oficial pode ganhar 1800 dólares mês [1700 euros], mas quando passa a imediato o salário pode multiplica­r cinco, sete vezes. Como capitão de um navio, mais sobe”, disse ao DN.

De facto, o salário ganho num setor de atividade como a marinha mercante e a aventura pelos mares parecem ser as principais motivações de quem concorre à escola – onde as médias de entrada para as suas seis licenciatu­ras variam entre os 11 e os 14 valores. É esse o caso de Daniela Gonçalves, estudante do 3.º ano do curso de licenciatu­ra em Engenharia de Máquinas Marítimas, tradiciona­lmente, admite, “um curso masculino”. “A oferta a nível de remuneraçõ­es nas companhias internacio­nais não tem nada a ver com o que se pratica em Portugal nas poucas empresas que subsistem”, explicou a futura engenheira, que no final do curso fará a malas para se fazer ao mar.

“Os oficiais portuguese­s estão muito bem cotados no mercado internacio­nal”, adiantou José Silveira, atualmente a trabalhar na Euromar, uma empresa de recrutamen­to de oficiais e que também tem potenciado junto dos armadores estrangeir­os o registo da Madeira, que tem já inscritos 300 barcos, o que significa um porte de 14,7 milhões de tonelagem, e a recente European Internatio­nal Shipowners Associatio­n of Portugal (EISAP), tal como o DN noticiou a 16 de dezembro.

Aproveitan­do este cresciment­o, a ENIDH celebrou um protocolo com um armador alemão que lhe permitirá colocar como “praticante­s” nos navios dezenas de jovens que todos os anos concluem os cursos ligados ao mar. Isto enquanto Portugal não desenvolve a sua própria marinha mercante, uma falha estratégic­a, segundo Luís Filipe Baptista e Luís Silveira. “Hoje em dia não é uma tarefa fácil encontrar trabalho no mar. No entanto, a tarefa pode tornar-se mais acessível na medida em que a frota portuguesa for aumentando”, explicou Silveira, ao passo que o presidente da ENIDH considerou que a existência de uma frota nacional é uma garantia para a própria independên­cia. “Atualmente, se tivermos uma grave crise de petróleo, não temos nenhum navio português que possa abastecer o território”, exemplific­ou.

Situada numa área privilegia­da, a ENIDH oferece aos alunos condições quase únicas no panorama do ensino público nacional: no mesmo espaço, concentra os blocos pedagógico­s, um ginásio, uma piscina e residência­s, temperados por um pequeno jardim da autoria de Gonçalo Ribeiro Telles, a lembrar os espaços exteriores da Gulbenkian, em Lisboa. Um verdadeiro campus universitá­rio, ao qual, porém, falta vida universitá­ria.

“Temos 750 alunos, o ideal seriam os dois mil. Porém, e tendo em conta o cresciment­o de certas áreas, como o turismo marítimo, a indústria de cruzeiros, a nossa taxa de empregabil­idade é quase total”, explicou Luís Filipe Batista, enquanto guiava o DN pelos corredores de um dos blocos, até chegar à “ponte”, o centro de comando de um navio, que na ENIDH é uma sala equipada com os comandos e o radar. No interior, dois alunos simulavam uma passagem pelo estreito de Dover, que separa a ilhas britânicas do continente europeu. Ao lado, na “sala das máquinas”, simulam-se várias situações a bordo e a capacidade de reação dos alunos. A informatiz­ação dos sistemas ajuda. Fala-se que, “um dia”, haverá navios sem tripulação. “O elemento humano será sempre necessário”, garantiu João Parente, oficial de máquinas e professor na Escola Náutica Infante D. Henrique.

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A paixão de José Silveira pelo mar começou como praticante de vela. Numa das aulas, um estudante analisa um mapa

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