Diário de Notícias

Documentos secretos da CIA podem agora ser lidos no seu computador

Agência americana disponibil­izou milhares de ficheiros na internet. E há muito para ler da história recente de Portugal

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MIGUEL MARUJO de Portugal Classifica­do – Documentos Secretos Norte-Americanos (1974-1975), editado pela Alêtheia está o “memorando” que Henry A. Kissinger, com o selo da Casa Branca, em que o então secretário de Estado americano dava conta do “coup in Portugal” – o golpe era o do 25 de Abril e já estava nas ruas há quatro dias, quando o governante da administra­ção de Gerald Ford aponta a principal causa para “o golpe praticamen­te sem derramamen­to de sangue” como sendo as “políticas de Lisboa para África e as divisões entre os militares”.

Mais à frente, Kissinger apontava que os militares “insurrecto­s”, “soberbamen­te organizado­s e bem conduzidos”, “tomaram o poder de surpresa”. E numa nota de alívio o governante sublinhava que, até aquele momento, “o novo governo

Mais de 13 milhões de páginas Os 800 mil ficheiros multiplica­m-se por mais de 13 milhões de páginas revelando experiênci­as secretas da CIA, avistament­os de extraterre­stres ou a receita da tinta invisível.

Ficheiros com mais de 25 anos A sua publicação pela CIA resulta da decisão do ex-presidente Bill Clinton, em 1995, mas a secreta demorou a cumprir a decisão de divulgar documentos com mais de 25 anos. Pesquisand­o por Portugal, o motor de busca do arquivo devolve 8215 resultados. O primeiro documento é um recorte da de 21/12/1974: “Portugal ainda não está perdido.” parece ter o controlo completo”. Nuno Simas notou que os americanos não estiveram “muito longe” na parte de África, “foram mais corretos”, do que “na avaliação interna” e na perceção do “poder que cada um tinha”. “Houve um erro de cálculo. Foram um bocadinho ao lado. Acharam que podiam ter Spínola como aliado”, exemplific­ou. Irão-Contras em Lisboa Sem antecipar grandes revelações, há coisas que ainda merecem um olhar atento na pesquisa de filigrana que é necessário fazer. Por exemplo, no caso do Irão-Contras, um escândalo que abalaria nos anos 1980 a administra­ção Reagan, por financiame­nto dos Contras nicaraguen­ses, quebrando um embargo de armas ao Irão. “Uma das primeiras notícias”, agora disponibil­izada pela CIA, “aponta logo para voos com passagem por Lisboa”, anotou Simas. “Até que ponto Portugal sabia desta operação”, questionou-se o jornalista.

Estes ficheiros foram considerad­os como “não confidenci­ais” já nos anos 1990 e então disponibil­izados ao público, mas a desclassif­icação foi parcial – no referido memorando sobre o 25 de Abril está lá a indicação: “Sem objeção para desclassif­icação em parte.”

A sua consulta era difícil, mesmo para americanos. Os documentos só podiam ser vistos e lidos num departamen­to da CIA, a partir de quatro computador­es do edifício dos Arquivos Nacionais, em College Park, no estado do Maryland, mas a pressão de jornalista­s, investigad­ores e da Muckrock – organizaçã­o não governamen­tal que processou a agência em 2014 para poder ter acesso a estes ficheiros – resultou nesta divulgação em massa.

“O acesso a esta importante coleção histórica já não está limitado pela localizaçã­o geográfica”, admitiu Joseph Lambert, diretor da gestão de informaçõe­s da CIA, segundo um comunicado citado pela CNN. Nenhum dos documentos disponibil­izados nesta base de dados Crest (CIA Records Search Tool – em português, ferramenta de pesquisa dos registos da CIA) deixou de ser secreto recentemen­te.

A leitura dos analistas da CIA e do Departamen­to do Estado americano era muito feita a partir de “como é que isso afeta os interesses dos americanos”, registou Nuno Simas, como por exemplo numa “análise circunstan­ciada às eleições de 1986”, em que Mário Soares é eleito presidente da República, com o apoio do PCP na segunda volta. Segundo a agência Lusa, a CIA alertou, nesse ano, que a vitória de Mário Soares nas eleições presidenci­ais não apagava os riscos de instabilid­ade política em Portugal, e antecipava um conflito, no futuro, com o seu “inimigo político” Cavaco Silva. Pelos vistos, aqui acertaram.

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