Diário de Notícias

Nuno Garoupa, Pedro Teles Baltazar, Ana Rita Guerra e Pedro Tadeu.

- POR NUNO GAROUPA

Odiagnósti­co está há muito feito – uma economia estagnada há quase 20 anos e previsivel­mente nos próximos dez anos, uma enorme insatisfaç­ão com a classe política, uma descredibi­lização generaliza­da das instituiçõ­es do Estado, uma assinaláve­l abstenção eleitoral, uma emigração de quadros bastante significat­iva, uma ausência de um projeto coerente e minimament­e consensual para o país, uma governação sem programa e em estilo “navegação à vista”, uma sociedade civil fraca e pouco exigente. E a suposta culpa vai direitinha para os jotinhas. Por outras palavras, para a crescente profission­alização da classe política, para a asfixia dos aparelhos partidário­s, para a prevalênci­a de políticos sem qualquer carreira ou experiênci­a profission­al, para a dependênci­a dos negócios do Estado e do tráfico de influência­s, para a colonizaçã­o das indústrias intermediá­rias (comunicaçã­o social, advocacia, consultore­s) por uma elite política extrativa. Sendo tudo isto parte inegável da realidade portuguesa, deixem-me argumentar que o problema não é a profission­alização da classe política em si mesma, mas o contexto em que isto aconteceu.

Parece-me evidente e natural que a terceira geração política depois do 25 de Abril seja profission­al. É assim nos sistemas democrátic­os consolidad­os com instituiçõ­es semelhante­s às nossas. A esquerda adora González, Mitterrand, Hollande, Schmidt, Blair, Brown, Renzi, enquanto a direita prefere Thatcher, Cameron, Kohl, Aznar, Rajoy. Todos eles são/foram políticos profission­ais sem grande vida fora dos partidos e da política antes de chegarem onde chegaram. Aliás, os governos portuguese­s até se caracteriz­am por ter bastantes ministros sem experiênci­a partidária. Tanto o anterior como o atual governo contam com vários ministros oriundos da universida­de, do mundo empresaria­l ou do Estado, sem grandes ligações aos aparelhos partidário­s. Por exemplo, os últimos seis ministros das Finanças não são políticos profission­ais. É preciso recuar a Manuela Ferreira Leite (2002-2004) para encontrar um quadro partidário na liderança desse ministério. A profission­alização da classe política segue, pois, padrões internacio­nais que respondem evidenteme­nte a uma agradável estabilida­de democrátic­a.

A política profission­al exige produção de conhecimen­to para consubstan­ciar um programa de governação. Sem produção de conhecimen­to, a política profission­al esgota-se na propaganda e na contraprop­aganda, nas banalidade­s ideológica­s, nos ataques de carácter, na demagogia e no populismo. Ora, se algo é notável há décadas nos partidos políticos portuguese­s é a completa ausência de produção de conhecimen­to. Não existem think tanks partidário­s, não há grupos de trabalho, não há investigaç­ão, não há estudo. O partido governamen­tal (seja PS, seja PSD-CDS) usa e abusa da informação do Estado para construir narrativas na sua navegação à vista. Os partidos da oposição são sempre, por comparação, de uma pobreza confranged­ora. A ligação dos partidos à universida­de (enquanto principais centros de produção de conhecimen­to) não existe (não confundir, por favor, com as universida­des de verão dos partidos políticos, pois aí não há produção ou transmissã­o de conhecimen­to). A sociedade civil não se organiza para promover essa produção de conhecimen­to (aliás, espera sempre que seja o Estado a pagar). As exceções são tão poucas que merecem um destaque mediático totalmente desproporc­ional. Talvez historicam­ente nunca tenha havido produção de conhecimen­to em Portugal. Talvez essa falha fosse tradiciona­lmente suprida, em parte, pela experiênci­a profission­al dos políticos através de algum “achismo” e bom senso. Mas, no século XXI, tornou-se uma contradiçã­o perigosa ter uma classe política profission­al a governar a economia e a sociedade do conhecimen­to num país que simplesmen­te não tem produção de conhecimen­to.

A política profission­al pede também uma opinião pública e publicada exigente e interventi­va. É verdade que a televisão e as redes sociais mataram os intelectua­is públicos um pouco por todo o mundo. Já não há Vencidos da Vida nem grémios literários para refletir e exigir. Estamos no século dos pundits. Só que em Portugal contam-se pelos dedos de uma mão os pundits. O espaço público está totalmente dominado por políticos ao serviço das agendas partidária­s ou do tráfico de influência­s. O debate é sempre dominado por generalida­des e banalidade­s no modelo frente-a-frente. Não há debate especializ­ado, sério e exigente. Os partidos já nem fazem o mais elementar esforço de ter porta-vozes temáticos.

Sem produção de conhecimen­to e sem pundits, tudo começa e acaba nos partidos. É nesse contexto que uma classe política profission­al se torna um problema sério. Porque sem produção de conhecimen­to e sem pundits só há mesmo jotinhas. E o resultado, como sabemos, não é muito agradável. Porque, infelizmen­te, nos falta tudo o resto!

Sem produção de conhecimen­to e sem pundits, só há mesmo jotinhas. E o resultado, como sabemos, não é muito agradável

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