Quanto esperar para voltar a casar
A“exigência social de se ter um mínimo de decoro”, a par da necessidade de “se evitarem conflitos de paternidade a respeito dos filhos nascidos de um segundo casamento” assim o exigiam: a um divórcio não podia seguir-se um casamento antes de decorrido um tempo considerado aceitável. Nada de estranho até aqui. O legislador escrevia desta forma no ano de 1967, num Portugal em que havia perto de 80 mil casamentos por ano (hoje é quase um terço) e o número de divórcios pouco excedia os 500 nesse mesmo tempo. Pelo que também quase não causa estranheza, à luz daqueles anos, perceber que a lei estabelecia prazos distintos para homens (180 dias) e mulheres (300 dias) poderem voltar a casar e especificava que a violação deste prazo implicava para o infrator “a perda de todos os bens recebidos por doação ou testamento do cônjuge anterior”. Era naturalmente um aviso às mulheres, muitas das vezes desprovidas de riqueza ou formas de sustento.
É curioso encontrar estas pérolas deixadas pela sociedade de há meio século – muito pouco tempo para grandes mudanças e verdadeiras conquistas quanto à igualdade de género. O que não tem mesmo nenhuma graça – é na verdade absolutamente incrível – é que esta mesma lei, precisamente com aquela leitura e particularidades, continua a existir e a ser aplicada aos mais de 20 mil homens e mulheres que se divorciam todos os anos. Assim mesmo, com esta distinção de prazos para recasar, exceto se a mulher obtiver a declaração judicial de que não está grávida, caso em que bastam os tais seis meses impostos também aos homens.
Além de se tratar de uma questão de discriminação inconcebível em 2017, este caso revela ainda um certo atraso na nossa sociedade – a justiça (os tribunais, os juízes) parece incapaz de reconhecer e fazer cair regras obsoletas e sem sentido. Não passará também por aí a sua função?