Uberfuturismo
Ahmed fala com um sotaque muito cerrado, apesar de estar em São Francisco há 11 anos. Partilha casa com mais dois amigos e cada um paga 1400 dólares por mês, o que é relativamente bom na cidade mais cara do país. Umas horas antes de entrar no carro que Ahmed conduz para a Uber, descobri um gerente de loja que vive numa casa com oito pessoas. É assim, ali ao lado de Silicon Valley: os preços são bizantinos e as condições medíocres. Mas Ahmed veio da Palestina, e diz que não se vê noutra cidade. Só não sabe quanto tempo mais conseguirá sobreviver a conduzir para a empresa cujo nome se tornou sinónimo de táxi privado. Porquê, pergunto. “Porque há cada vez mais concorrência. Agora há condutores Uber em todo o lado, e os preços desceram demasiado.”
Há tantos condutores Uber em São Francisco como táxis amarelos em Nova Iorque, e a qualquer momento está-se sempre a um minuto de um deles. No entanto, não é só isso que preocupa Ahmed. “Esses carros que se conduzem sozinhos são assustadores. Não só para mim como condutor, para mim como pessoa. E se falha um dos sensores?”
A Uber está a investir milhões nas tecnologias de condução autónoma, mas essa realidade ainda está a alguns anos de distância. Há muitas peças a precisar de cair no sítio certo. Os testes que a empresa estava a fazer em São Francisco foram suspensos por falta de autorização da DMV (equivalente à DGV ). Mas mais do que isso: antes de poder dispensar os condutores com carros autónomos na estrada, a Uber tem de convencer as cidades de que é necessária, uma parte fundamental do planeamento futuro e das suas estratégias de mobilidade. E é por isso que tem uma equipa exclusivamente dedicada à pesquisa e ao contacto com as agências governamentais, para estudar políticas de mobilidade. O líder dessa equipa veio do Banco Mundial, onde fazia pesquisa na mesma área.
É uma estratégia fascinante, a da Uber. A sede da empresa está numa das zonas mais gentrificadas de São Francisco, e lá dentro a média de idades é bastante baixa. Gente jovem, engenheiros, sobretudo homens, a trabalharem em espaços abertos e colaborativos. Alguns estão na empresa quase desde o início, quando a noção de “boleias via app” ainda era uma excentricidade da cidade dos hippies. Agora fazem parte do unicórnio mais valioso do mercado. E, porque ainda precisam de vencer a resistência de tantas cidades no mundo, mostrar que o serviço tem impactos ao nível ambiental, de congestionamento e eficiência urbana é um dos principais objetivos da sua pesquisa.
Foi isso que a empresa nos mostrou num evento na sede, a que chamou O Futuro das Cidades. O irónico foi ter sido revelado, um dia depois do encontro, que a Uber usou métodos pouco transparentes para fugir ao escrutínio das cidades onde a sua legalidade estava a ser questionada. A própria empresa confirmou que a aplicação fazia isto. É uma constante na Uber: os problemas são proporcionais ao seu tamanho. Desde que o ano começou, a empresa já foi acusada de ignorar casos de assédio sexual, o CEO Travis Kalanick foi filmado a ter uma discussão acesa com um condutor Uber (segundo me disseram, os engenheiros e executivos usam o serviço constantemente), a unidade de carros autónomos da Google processou a empresa por roubo de propriedade intelectual e agora descobriu-se que há um programa para enganar as autoridades. O The New York Times contou em detalhe como o Greyball é usado para identificar oficiais que estão a fazer-se passar por utilizadores normais para apanhar um Uber onde a marca não devia operar. A funcionalidade faz parte de um programa extenso, VTOS, desenhado para excluir passageiros que violam os termos de serviço da empresa. A ética deste esquema é questionável, embora o próprio seja compreensível: a Uber precisa de que os utilizadores in loco experimentem as vantagens do serviço, de forma a criar pressão popular para que seja legalizado.
No entanto, à medida que cresce, a Uber terá de se reconciliar com as cidades que diz querer transformar positivamente. E enganá-las não é o caminho.
À medida que cresce, a Uber terá de se reconciliar com as cidades que diz querer transformar positivamente. E enganá-las não é o caminho