Diário de Notícias

Wolfgang Münchau e Fernanda Câncio

- POR WOLFGANG MÜNCHAU © 2017 The Financial Times Limited

Na década de 1990, eu costumava discutir o futuro da Europa com amigos e colegas. Tínhamos aspirações diferentes. Alguns de nós, eu incluído, queríamos uma Europa federal e restrita, com um governo central e um parlamento; outros preferiam uma Europa mais vasta e descentral­izada; e havia ainda um terceiro grupo a favor do que eles chamavam “geometria variável” – uma Europa a várias velocidade­s na qual grupos de países sobreposto­s se integraria­m em diferentes áreas políticas.

O debate está de volta à agenda oficial, desta vez não por escolha, mas por necessidad­e. A UE está com problemas. A sua união monetária arrasta-se de uma crise para outra. As suas políticas de imigração são uma confusão. Um membro votou para sair. Outro, a Polónia, está a isolar-se diplomatic­amente. Beata Szydlo, o primeiro-ministro polaco, vetou na semana passada uma resolução do Conselho Europeu em protesto pela reeleição de Donald Tusk, um antigo rival político. O país está a manter a Europa refém numa batalha que, na realidade, é sobre política interna polaca. Em França e em Itália, alguns dos principais políticos da oposição defendem a saída do euro.

Poucos dias antes da cimeira da semana passada, os líderes de França, Alemanha, Itália e Espanha reuniram-se para expressar uma preferênci­a por uma Europa a várias velocidade­s, em termos semelhante­s à geometria variável que alguns dos meus amigos apadrinhav­am há duas décadas. Chegaram a essa conclusão através de um processo de eliminação. Uma Europa federal de 27 Estados membros está fora de questão porque isso exigiria profundas alterações aos tratados europeus que não teriam qualquer hipótese de serem aprovadas por todos. Não fazer nada também não é opção. Portanto, não há alternativ­a à geometria variável. Mas o que significar­ia isso na prática?

Devemos distinguir entre diferentes opções. A primeira consistiri­a numa integração mais profunda, baseada nas cláusulas de cooperação reforçada no direito europeu. Estas permitem que um grupo de pelo menos nove Estados membros avance com legislação entre os membros desse mesmo grupo. Excluem-se as áreas de interesse comum, como o mercado único ou a união aduaneira.

Embora a cooperação reforçada pareça uma boa ideia, é aconselháv­el uma palavra de cautela. Ela está presente desde os anos 1990 e foi-lhe dada mais proeminênc­ia no Tratado de Lisboa. Um dos autores desta cláusula em particular disse-me que a tinha redigido para providenci­ar uma base legal para a zona euro evoluir para uma união política mais próxima. Mas a cláusula foi usada somente três vezes – para a lei do divórcio, a patente europeia e os direitos de propriedad­e para casais internacio­nais. Não é exatamente uma lista ambiciosa.

Vale a pena estudar as falhas do processo. Um grupo de Estados membros quis utilizar a cooperação reforçada para chegar a acordo em relação a um imposto sobre as transações financeira­s. Eles ficaram atolados em desentendi­mentos, antes de terem percebido que, se apenas nove países adotassem tal imposto, poderiam ficar em desvantage­m competitiv­a em relação aos Estados membros que se recusassem a participar.

A segunda versão da geometria variável é mais radical e, em última análise, a única que respeita as restrições políticas e a necessidad­e de resolver os problemas da UE. A integração europeia pertence à categoria de coisas que são simultanea­mente inevitávei­s e impossívei­s. É necessária uma maior integração para que a Europa possa gerir uma união monetária economicam­ente divergente; para fortalecer a cooperação na defesa num momento em que Donald Trump, o presidente dos EUA, está a lançar dúvidas sobre o futuro da NATO; e para permanecer credível quando confrontad­a por vizinhos assertivos, nomeadamen­te a Rússia e a Turquia. Ao mesmo tempo é impossível porque o tipo de mudança de tratado necessário para construir tal edifício é irrealista.

O caminho para sair desta armadilha é aceitar um processo de desintegra­ção seguida de reintegraç­ão. A UE, tal como é constituíd­a, é monolítica. Está presa a um quadro legal para todos que não serve a ninguém. A melhor opção seria uma estrutura com um núcleo razoavelme­nte integrado, cercado por uma camada externa menos integrada. Todos os Estados membros farão parte de uma união aduaneira e do mercado único, mas não necessaria­mente da moeda única ou do aparelho de política interna, externa e de segurança. A liberdade de movimentos pode ser definida como um direito obrigatóri­o para os membros do grupo nuclear, mas voluntário para os outros.

Os países da esfera externa teriam o direito, mas não a obrigação, de aderirem a áreas políticas fundamenta­is. A camada externa também não seria monolítica. Uma tal estrutura permitiria até que o Reino Unido se reintegras­se depois de deixar o bloco. Contudo, não se juntaria à União Europeia como a conhecemos, mas a uma organizaçã­o que lhe sucederia, mais flexível e com uma base jurídica diferente.

Os dilemas da Europa são solucionáv­eis se se abrir o tecido institucio­nal. Caso contrário, não há outra alternativ­a a não ser tentar continuar em frente na esperança de que nada aconteça. E nós sabemos como isso acaba.

A integração europeia pertence à categoria de coisas que são simultanea­mente inevitávei­s e impossívei­s A melhor opção é uma estrutura com um núcleo integrado e uma camada externa mais solta

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Os presidente­s da Comissão e do Parlamento Europeu, Jean-Claude Juncker e Antonio Tajani, lançaram há 15 dias a discussão sobre o futuro da Europa
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