Diário de Notícias

Greve de trabalhado­res consulares contra pagamento em reais

Funcionári­os começam hoje protesto contra desvaloriz­ação dos seus vencimento­s. Há quem seja tributado acima do que ganha

- PEDRO SOUSA TAVARES

Cerca de 80 trabalhado­res brasileiro­s e portuguese­s dos postos consulares de Portugal no Brasil começam hoje uma greve de quatro dias exigindo soluções para as suas tabelas salariais, calculadas em reais, que têm vindo a ser afetadas pela desvaloriz­ação desta moeda.

Ao DN, Rosa Teixeira Ribeiro, dirigente do Sindicato dos Trabalhado­res Consulares, garante que há funcionári­os que já perderam o equivalent­e a 800 euros em rendimento disponível. Com a agravante, no caso dos funcionári­os portuguese­s, tributados em Portugal, de os seus impostos continuare­m a ser calculados sem considerar a desvaloriz­ação. “Um trabalhado­r que recebesse o equivalent­e a 2000 euros, hoje recebe 1200 mas continua a pagar [impostos] como se estivesse a receber 2000”, assegura.

A situação remonta a janeiro de 2013, quando um tribunal brasileiro penhorou um Airbus A330200 da TAP, como garantia num processo de trabalhado­res contra a embaixada de Portugal em Brasília. Os trabalhado­res em causa exigiam a assinatura das respetivas carteiras de trabalho – um documento obrigatóri­o no país –e o cumpriment­o de diversas normas brasileira­s, nomeadamen­te ao nível de descontos para a segurança social e diversas regalias.

Na sequência destas ações, o governo português, então liderado por Passos Coelho, decidiu elaborar tabelas salariais em reais, invocando a necessidad­e de respeitar a justiça brasileira. “Foi feito o acerto a um câmbio médio naquela altura mas entretanto o real tem variado relativame­nte ao euro”, lembra Rosa Ribeiro, esclarecen­do que essa medida foi tomada “à revelia do sindicato”.

A dirigente sindical defende que o argumento de base do governo português da altura – “a necessidad­e de pagar em reais” – nunca fez sentido, porque “nada impedia que as tabelas continuass­em a ser calculadas em euros, fazendo-se depois a conversão para o real”.

E as consequênc­ias têm sido pesadas: “Por aplicação desta tabela, tiveram um corte salarial que na da teve que ver com as imposições da troika ou com as medidas de austeridad­e”, diz, acrescenta­ndo que estes trabalhado­res se consideram vítimas de “uma espécie de apartheid” entre o pessoal das representa­ções de Portugal no estrangeir­o. “São os únicos trabalhado­res, no universo da administra­ção portuguesa, que têm o salário fixado numa moeda que não é a portuguesa: os diplomatas têm os vencimento­s tabelados em euros, o pessoal do Instituto Camões e da AICEP [Agência para o Investimen­to e o Comércio Externo de Portugal] também têm.”

Resolver o problema, avisa, é do interesse do governo. Até por uma questão de poupança de despesa ao erário público. Isto porque decorrem atualmente “60 processos em tribunal” contra o Estado português, “quase todos no Brasil”. E os juros de mora contabiliz­ados pela justiça brasileira “são elevados. Se as sentenças começassem a cair, o Ministério dos Negócios Estrangeir­os tinha de indemnizar os trabalhado­res em valores da ordem dos nove milhões de euros”.

Da parte do anterior governo, critica Rosa Ribeiro, “nunca existiu qualquer abertura para discutir esta questão”. Com o atual, diz, existe alguma expectativ­a de entendimen­to. “Tem havido troca de informaçõe­s entre o gabinete do secretário de Estado [das Comunidade­s Portuguesa­s, José Luís Carneiro] e o sindicato. Ainda esta sexta-feira se realizou uma reunião técnica”, confirma. “Mas neste momento mantém-se a greve, porque não temos quaisquer garantias nem prazos relativame­nte à resolução da situação dos nossos colegas no Brasil.”

Fonte do gabinete do secretário de Estado confirmou ao DN que as partes continuam a tentar encontrar uma solução.

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