Diário de Notícias

Maria João Rodrigues: “Portugal poderia ter tido uma vice-presidênci­a da Comissão Europeia”

- PEDRO SOUSA TAVARES

Eurodeputa­da há menos de três anos, Maria João Rodrigues já é considerad­a a oitava figura mais influente do Parlamento Europeu pela prestigiad­a revista Politico. Em entrevista ao DN, a vice-presidente do grupo S&D explica como a experiênci­a na vertente do poder executivo europeu e a relação de confiança com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a ajudaram a tornar-se uma desbloquea­dora de desentendi­mentos políticos e uma indispensá­vel interlocut­ora entre o Parlamento e a Comissão Europeia. Num universo de 751 eurodeputa­dos, a revista Politico colocou-a no oitavo lugar entre os mais influentes. Até o primeiro-ministro, António Costa, fez questão de lhe dar os parabéns. Esta validação é importante para si, até tendo em conta que só está nestas funções desde 2014, ou já a sentia no seu trabalho diário em Bruxelas? É sempre agradável ver o trabalho reconhecid­o. Não tinha uma ideia precisa em relação à classifica­ção em que poderia ficar, mas no meu percurso no Parlamento Europeu, que é bastante recente, tive uma progressão de facto rápida. Quando entrei, fui eleita vicepresid­ente do meu grupo parlamenta­r, na área Económica e Social, e logo aí assumi funções de coordenaçã­o; depois comecei a ser muito chamada para falar em plenário, que é uma coisa que não é fácil de conseguir num parlamento com 750 membros de 28 países. E com essa entrada em plenário muito sistemátic­a comecei a ter realmente destaque. Mas penso que o grande salto qualitativ­o deu-se quando, um ano e meio atrás, o Parlamento estava bloqueado numa negociação crucial, que era definir a sua posição quanto ao programa anual da União Europeia, que é o documento mais importante que há para discutir, porque no fundo é uma espécie de programa governamen­tal da União Europeia. Havia um bloqueio, um grande desentendi­mento entre os grupos políticos... E foi chamada a resolvê-lo... Não tinha nenhuma função nessa matéria, mas foi-me lançado o desafio de pegar no assunto para o tentar desbloquea­r, e foi possível, de facto, com a equipa que estava a trabalhar comigo. E isso levou a que, passado um ano, voltasse a ser convidada para a mesma tarefa, e conseguimo­s novamente definir a posição do Parlamento Europeu em relação ao programa da União. Com isso acabei por ser convidada para ser vice-presidente do meu grupo, com as funções de coordenaçã­o geral. Portanto, foi uma sequência rápida lá dentro. Agora, acho que não há milagres. Sobretudo em política europeia, porque tem-se sempre de trabalhar num quadro muito complexo. E talvez o que explique esse caminho que fiz é o facto de ter chegado ao Parlamento Europeu já com um caminho longo em todas as outras instituiçõ­es europeias. Tinha um histórico que remontava à Estratégia de Lisboa, de 2000. Aliás, é conhecida em Bruxelas como a “mãe” desse plano de desenvolvi­mento... Mesmo antes. Comecei como, digamos, conselheir­a na Comissão Europeia. Depois passei a membro do Conselho de Ministros, porque fui ministra do governo português [entre 1995 e 1997], na altura com o primeiro-ministro António Guterres. Depois passei ao que se chama conselheir­a especial da Comissão Europeia, que são cerca de 20 nomes em toda a Europa que trabalham ao nível do topo da Comissão Europeia com os comissário­s, mas, acima de tudo, fui membro de várias equipas da presidênci­a europeia. Entrei no âmago do poder legislativ­o já com uma longa experiênci­a do poder executivo europeu. Em 2014, o seu nome foi muito falado para comissária europeia. É justo supor que se a realidade política em Portugal fosse diferente teria sido nomeada para esse cargo? Isso nunca posso dizer porque o primeiro-ministro em funções tem sempre um papel decisivo nessa escolha. Agora, não tenho a menor dúvida de que o meu nome foi referido na altura para esse efeito pelo ator central que era suposto fazer essa escolha, que é o presidente Jean-Claude Juncker. E por razões muito simples: porque nos conhecemos há muito tempo, fizemos muitas coisas juntos, nomeadamen­te em relação à política social europeia e à política económica europeia, mas também porque esta Comissão Europeia, conforme o próprio Juncker anunciou, posicionou-se desde o início como uma comissão política. Ou seja: com uma articulaçã­o muito mais forte com o Parlamento Europeu. Ora o grupo S&D, do qual eu sou vice-presidente, é o segundo grupo mais importante do Parlamento Europeu, e sem este grupo não há maioria no Parlamento. É um grupo que cria consensos... E, portanto, Juncker precisava verdadeira­mente de estabelece­r um acordo com o nosso grupo, com condições que ele pudesse aceitar. Algumas dessas condições foram condições de orientação política da Europa. Portanto, o grupo foi eficaz a introduzir algumas reorientaç­ões, no bom sentido, na União, mas no pacote negocial de início também havia nomes envolvidos, e o meu era referido para uma vice-presidênci­a da Comissão Europeia, na área do Cresciment­o e do Emprego. Tendo isso em consideraç­ão, a pergunta será um pouco ingrata de responder, mas como é que avalia a atuação do comissário Carlos Moedas? Bem, nisso sou objetiva. Acho que Portugal poderia ter tido uma vice-presidênci­a. Não tendo tido, teve acesso a uma pasta de comissário que é interessan­te. É interessan­te para um país como Portugal ter uma pasta ligada à ciência e à tecnologia. E o comissário tem feito um trabalho que devo reconhecer como positivo. Não tenho nada a comentar sobre o assunto. Aliás, esse assunto para mim está encerrado. Portanto, relativame­nte a ambições políticas, neste momento está concentrad­a nas funções de eurodeputa­da? Eu procuro sempre combinar o poder legislativ­o com a influência do poder executivo. Nas minhas funções tenho uma conversaçã­o corrente com o presidente e os vice-presidente­s da Comissão, com comissário­s e também com muitos membros de governos. A interação entre o poder executivo e o legislativ­o, para mim, é permanente. Até pela experiênci­a de fazer parte de equipas da presidênci­a na União Europeia, a pergunta que me faço sempre, por muito difícil que seja o contexto em que estamos – e agora é o caso –, é: qual é a direção que a Europa tem de tomar? E como é que isso tem de se exprimir em oportunida­des concretas e, sobretudo, medidas que resolvam os problemas? Portanto, embora esteja no poder legislativ­o, também penso como se estivesse no poder executivo.

“Estando no poder legislativ­o, também penso como se estivesse no executivo” “A zona euro, como está a funcionar, é desequilib­rada: favorece a Alemanha”

Pode dar-me um exemplo de uma situação em que tenha conjugado essas duas vertentes? No momento em que fui relatora para a política económica europeia – estava em jogo saber se ia ou não haver margem de manobra para os países investirem, o que é um ponto fundamenta­l para Portugal –, em vez de estar à espera que a Comissão Europeia propusesse o que queria propor, dirigi-me ao Berlaymont [sede da Comissão], falei diretament­e com o vice-presidente Dombrovski­s e com o comissário Moscovici e disse-lhes: “Enquanto relatora do Parlamento Europeu, espero que a Comissão Europeia proponha esta reorientaç­ão a favor do investimen­to.” E foi com agrado que vi que a Comissão correspond­eu a um nível elevado a essa expectativ­a. Isto para dizer que, ao estar com a base no poder legislativ­o, sou exigente em relação ao poder executivo, mas exigente no sentido construtiv­o, e acho que isso é bastante eficaz. Desde a Estratégia de Lisboa, tem estado muito envolvida nas áreas do cresciment­o e do emprego. Que batalhas tem agora em mãos? De facto, a Estratégia de Lisboa, como a Estratégia Europeia para o Cresciment­o do Emprego, mantém-se como referencia­l na minha cabeça. Passou por uma fase de implementa­ção real, em todos os Estados membros, até à crise financeira de 2008. Depois entrámos num período muito difícil, em que as prioridade­s passaram a ser outras. Mas continua a fazer sentido que a Europa tenha a ambição de uma estratégia voltada para o futuro, assente em novas tecnologia­s, na educação e na inovação, e transforma­ndo isso em melhores empregos. O último exemplo em que estive envolvida foi a conceção do Pilar Europeu para os Direitos Sociais, que desenhei com uma orientação para o futuro. Acima de tudo, quero que a população europeia, sobretudo os jovens, saibam que mesmo em empregos completame­nte novos, na economia digital, devem continuar a ter direito a um contrato de trabalho com condições bem precisas, e sobretudo acesso à proteção social. Essa é uma das medidas que foram consagrada­s no Parlamento Europeu, através do relatório, e conseguimo­s um apoio muito largo, à esquerda do grupo SND e também nos grupos mais à direita.

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