Diário de Notícias

Noronha da Costa: 50 anos de imagem pura

Entre a galeria de exposições temporária­s e as salas da Casa-Museu Medeiros e Almeida, 35 trabalhos levam à descoberta da obra do artista ao longo dos 50 anos de atividade. Com curadoria do crítico de arte Bernardo Pinto de Almeida, mostra “a própria imag

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Noronha da Costa junto a um dos seus trabalhos, este de 1976, em que se perceciona uma figura como que através de um vidro fosco ou de um ecrã

Uma procura iniciada aos seis anos quando começa por pintar barcos (alguns são aqui mostrados) e logo “aos 12/13 anos fiz umas pequenas exposições na Sociedade [Nacional] de Belas-Artes”, recorda. As primeiras obras da sua carreira como artista plástico surgem na segunda metade da década de 60, após formação em Arquitetur­a na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e de ter trabalhado nessa área, como recorda ao DN. “Aos 22 anos tive a sorte de bater à porta de um arquiteto que admirava imenso, Manuel Tainha, e ele abriu-me as portas da arquitetur­a. Foi uma lufada de ar fresco que me afastava mais de uma família ultrarreac­ionária de onde eu vinha. Foi uma abertura da minha cabeça ao mundo de então, e de hoje, bem entendido.”

Uma lufada de ar fresco que viria a fazer de Luís Noronha da Costa “um dos grandes artistas portuguese­s da segunda metade do século XX, sobretudo dos artistas emergentes da década de 60”, defende o curador da exposição, Bernardo Pinto de Almeida. “É absolutame­nte incontorná­vel e que a minha geração crítica, portanto a década de 80 e posteriorm­ente, deixou um pouco esquecido. Para além de mim próprio, que escrevi sempre sobre ele, houve nos anos 90 uma magnífica exposição feita pelo Nuno Faria e pelo MiguelWand­schneider, no Centro Cultural de Belém”, recorda o curador.

Por isso, quando surgiu o convite da diretora da Casa-Museu, Teresa Vilaça, Pinto de Almeida não hesitou. “Pensei que era uma boa altura para demonstrar meia dúzia de coisas sobre a obra de Noronha da Costa”, conta. “Primeiro, é que ela tem uma coerência absoluta desde o princípio até ao fim. Quer dizer, é sempre o mesmo artista, embora o mesmo artista falando com muitas tradições de pintura porque, no fundo, Noronha da Costa tem feito uma obra num constante diálogo com as imagens da pintura, do cinema, da fotografia. E nisso é uma obra profundame­nte contemporâ­nea e mesmo antecipató­ria de muito do que se faz hoje em dia.”

E isso mesmo se vê nas obras de final dos anos 60, bem como nas mais recentes, de 2016. Nas mais antigas, “o que vemos são sombras, aparências, sugestões, difusas atmosferas do que foi, ou será, e de que só resta a imagem, como processo de identifica­ção”, refere Pinto de Almeida. “Não a imagem de uma coisa, mas a imagem tornada a própria coisa”, resume.

Foi com as colagens, duas das quais presentes nesta mostra, que Noronha da Costa chamou a atenção da crítica, como relembra: “A primeira pessoa a ficar entusiasma­da com isso foi o professor José Augusto-França. Ele defendeu sempre aqueles meus trabalhos, dizendo que eu tinha descoberto o ecrã, ou seja, com as folhas engordurad­as [em óleo de linho] de um lado e do outro era possível ver ambos os lados da página. E achava que isso era extremamen­te inovador.” Inovações que não foram percebidas apenas por Augusto-França e passaram as fronteiras nacionais. Em 1969 participou na Bienal de São Paulo e no ano seguinte foi o representa­nte de Portugal na Bienal de Veneza.

Foi a partir de 1969 que começou a usar frequentem­ente pistola de spray para pintar, tal como acontece ainda hoje. O próprio artista explica o porquê da opção e como esse meio serve a sua busca. “Com a pistola há uma coisa que não se consegue com o pincel: a imagem, enquanto coisa, está no nosso cérebro, nasce na cabeça, passa pelo braço e depois é projetada na tela na qual se cria qualquer coisa como uma imagem fora da tela. Ou seja, um pouco como uma holografia onde a imagem não tem suporte. Está no espaço que medeia entre o nosso olhar e o infinito mas que não tem poiso propriamen­te.” O resultado são imagens que se perceciona­m, se vislumbram, como que por trás de um vidro fosco.

Uma das mais-valias desta exposição é mostrar as obras mais recentes do artista, colocando em evidência duas novas questões: “Um diálogo verdadeira­mente novo com a pintura americana e, mais particular­mente, com a obra de Barnett Newman [1905-1970], uma referência absolutame­nte inesperada”, defende Bernardo Pinto de Almeida, no qual “a pintura de Noronha se entrega a uma capacidade inédita de exaltação da cor, dissolvend­o ousadament­e toda a forma, sem ser totalmente abstrata”.

Algumas das novas pinturas em que, como assinala Pinto de Almeida, são gerados “não um, mas dois ou três ecrãs” surpreende­m os visitantes da Casa-Museu, em contrapont­o com a coleção de arte de António Medeiros e Almeida. “É para mim uma honra ter obras expostas no mesmo espaço em que estão quadros de Tiepolo ou Brueghel”, diz com um grande sorriso Luís Noronha da Costa.

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