Diário de Notícias

O lado B e o lado A do Verão Quente revelados por Miguel Carvalho

- JOÃO CÉU E SILVA JORNALISTA

Aescrita da História contemporâ­nea continua a ser feita mais por jornalista­s do que por profission­ais da classe que deveria estar preocupada em a registar nos seus primeiros passos. Poderá dizer-se que é preciso deixar passar mais tempo mas o que os historiado­res – salvo pouca exceções – estão a concretiza­r é o descaso e a consequent­e ignorância do depoimento de época e o levantamen­to de factos e cenários. É o caso do mais recente e espesso volume do jornalista Miguel Carvalho que, em quinhentas e cinquenta páginas, faz mais pelos anos de alguma da “marginalid­ade” que se seguiram à Revolução dos Cravos que o vazio deixado a troco de vários estudos sobre o período pré-revolucion­ário.

O título é mais espalhafat­oso, Quando Portugal Ardeu, mas o subtítulo situa bem o leitor no que está a ser tratado: histórias e segredos da violência política no pós-25 de Abril. Com um selo a informar que neste trabalho se revelam testemunho­s e documentos inéditos. Mas o nome do livro não surge por acaso, ou não tenham aqueles vários meses de 1974 e 1975 ficado conhecidos pelos anos de brasa.

Quanto ao que se diz na capa, o interior não desmente. Aliás, antes de se avançar pelos 18 capítulos, a bem fundamenta­da Introdução diz muito daquilo a que se vai. Assume o autor que “este livro é jornalismo, não é História”, e fá-lo porque especifica que se trata do “lado B” da revolução. O que quer isto dizer? Responde: “Retrata personagen­s, recupera relatos e desvenda segredos de uma época de inusitada violência política, entretanto apagada da memória histórica ou das ‘memórias’ consensuai­s do regime saído” do pós-salazarism­o/caetanismo.

Mais, acusa que “este apagão não é inocente” e que é a voz dos vencedores que também na nova Democracia que nasce na Europa em 1974 apagou um dos lados desse tempo, enquanto se branqueia por inteiro os acontecime­ntos em nada pacíficos com que alguns portuguese­s confrontar­am os que não pensavam como eles. É o tempo das derivas da extrema-esquerda e da extrema-direita sempre amansados historicam­ente, como poderemos observar por exemplo nos retratos biográfico­s que têm vindo a ser realizados de protagonis­tas políticos como o marechal Spínola, em nada condizente­s com a verdade e preferente­mente dourando uma pílula que os cidadãos não deveriam engolir. Miguel Carvalho, no caso desta figura com importânci­a nos destinos do país e menos branca e preta do que se pensa, acrescenta vários episódios que retiram o descolorid­o com que vai sendo construída a sua posteridad­e. Designadam­ente, num dos capítulos mais interessan­tes deste volume, o da esparrela que lhe é feita na Suíça e na qual o orgulho ferido o faz escorregar de um modo espetacula­r.

Não se desejando desnudar o livro, passam pelas suas páginas muitas histórias de um Verão Quente, em que organizaçõ­es como o MRPP se digladiara­m com as do campo político oposto, entre elas o ELP, mostrando o lado A de tais personagen­s e estruturas. Principalm­ente, recuperam-se histórias do tempo em que atentados e bombas alteravam os caminhos da Revolução, uma etapa tão apagada historicam­ente como os atentados da ARA antes do 25 de Abril.

Se mais não houvesse neste livro de interessan­te, basta folhear as primeiras páginas, onde surge a memória de um jovem que morre às mãos da PIDE nas horas do estertor final do anterior regime. Só essas 13 páginas, com reproduçõe­s de fotografia­s e diário da vítima chegam para se perceber o que será oferecido nas restantes até ao fim. A ler.

O tempo desta investigaç­ão é o de quando o Portugal democrátic­o esteve à beira de uma guerra civil

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Miguel Carvalho Ed. Oficina do Livro 556 páginas PVP: 18,8 euros
Quando Portugal Ardeu Miguel Carvalho Ed. Oficina do Livro 556 páginas PVP: 18,8 euros
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